São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2000


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MÍNIMO SEM FUNDO

Em torno da discussão sobre o aumento do salário mínimo, surgiu a idéia de lastrear uma correção mais generosa do piso salarial no Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, projeto que tramita no Congresso Nacional. Um acordo entre parlamentares e área econômica do governo federal reservou R$ 4 bilhões anuais para o novo fundo.
Para justificar que parte dessa verba seja destinada a um aumento mais substancial do mínimo, há um argumento que merece ser considerado. A política do salário mínimo funciona, e razoavelmente bem, como um grande programa social no Brasil.
Dos 18 milhões de beneficiários da Previdência Social, cerca de 12 milhões recebem um salário mínimo. Destes, perto de 8 milhões obtêm os R$ 136 sem ter necessariamente contribuído para o INSS. Trata-se de setores sociais aos quais foi concedido o direito de acesso ao seguro social pela Carta de 1988 -com especial destaque para a aposentadoria rural-, o que ampliou significativamente a cobertura da Previdência, caracterizando-a, assim, também como um grande programa de transferência direta de renda, com impacto redistributivo. O dispêndio com benefícios somente no setor rural é da ordem de R$ 10 bilhões ao ano.
Não foram desprezíveis os efeitos dessa mudança em algumas regiões pobres. Estudo do pesquisador do Ipea (instituto de pesquisas do governo federal) Guilherme Delgado mostra que o acesso ao benefício significou efetivo ganho de renda para as famílias que subsistem da pequena agricultura nas regiões Nordeste e Sul, cuja situação de pobreza vinha progressivamente se agravando.
Pode parecer, pois, justificável que se direcionem recursos do fundo da pobreza para o programa social da Previdência, mediante aumento do salário mínimo. O problema é que, com essa escolha, perde-se uma chance rara de utilizar o fundo, com toda a sua verba e quem sabe alguma mais, para um grande programa nacional de transferência de renda para garantir às famílias mais pobres suas necessidades alimentares básicas.
O programa social da Previdência, que, portanto, também transfere renda para famílias pobres, tem, porém, um público-alvo mais restrito (idosos e inválidos apenas) do que seria o de um programa nacional de complementação de orçamentos.
Com R$ 5 bilhões anuais, seria possível saciar a fome de 21 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. O cálculo é de Lena Lavinas, também pesquisadora do Ipea. Isso sem falar nos ganhos sociais adicionais que alguns programas de transferência de renda em execução vêm obtendo. O mais conhecido deles é o bolsa-escola, que condiciona o pagamento do estipêndio à frequência escolar dos filhos das famílias beneficiadas.
Assim, não seria proveitoso retirar os já exíguos recursos do fundo da pobreza e direcioná-los para o salário mínimo. Há que buscar, com responsabilidade, em outras rubricas do Orçamento a forma de financiar um aumento real para o mínimo.



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