São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2000


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CAPITAIS EM JOGO

Ganha novamente eco a velha idéia de que ao Brasil faltaria um mercado de capitais mais amplo e profundo para retomar o desenvolvimento. Sobre o assunto, foi especialmente enfático o novo presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o economista Francisco Gros, em sua posse.
Sua crítica dirigiu-se à participação excessiva de estatais e fundos públicos no processo brasileiro de privatização. É como se a privatização, em vários casos, afinal se visse neutralizada por uma espécie de "estatização" implícita na engenharia financeira da desestatização.
O ideal, nessa visão, seria o país contar com um "verdadeiro" mercado de capitais privados com capacidade de arcar com a privatização, no lugar do atual jogo subsidiado com recursos fiscais e parafiscais. Resta saber se esse ideal, fundamento da crítica à privatização subsidiada, não é ele mesmo uma fantasia.
É essencial, para que os mercados de capitais privados se desenvolvam, que as taxas de crescimento econômico sejam fortes e contínuas o bastante para propiciar a acumulação de capitais, a formação de poupança e uma confiança sólida no futuro para levar poupadores e investidores a buscar aplicações de longo prazo.
Entra em cena, no entanto, o que talvez seja a mais crucial de todas as desavenças entre economistas: a natureza da poupança. Para os mais conservadores, só é possível crescer se houver poupança, ou seja, sacrifício prévio, desvio de renda do consumo para decisões de longo prazo.
Já economistas mais progressistas dizem o contrário: somente se houver investimento haverá emprego, renda e portanto poupança e capitais. Para esses ativistas, pode até ocorrer de o Estado precisar gastar em investimentos para viabilizar a "decolagem" do ciclo virtuoso de aumento simultâneo da renda e da poupança.
No Brasil, em vários momentos (e não apenas durante o processo de privatização), o BNDES desempenhou esse papel de indutor e mediador de negócios. Pretende o seu novo presidente tirar do Brasil essa alternativa de política econômica?
O país, há pelo menos duas décadas, não desfruta de um modelo que atenda aos requisitos do crescimento da renda, do emprego e da poupança doméstica. Ao contrário, a miséria e a desigualdade se aprofundaram.
Pois falta renda suficiente para desenvolver um mercado de capitais, para que a poupança doméstica aumente e faça crescer a confiança em projetos de longo prazo. O erro, quando não se enxerga essa conexão entre formação e acumulação de capitais, de um lado, e distribuição de renda num modelo de crescimento, de outro, é achar que a solução estaria em medidas tópicas, voltadas para o sistema financeiro, produzidas pelo BC ou decorrentes de um novo modelo de privatização sem a interferência do Estado.
Medidas de desregulamentação e apoio à abertura do capital das empresas já houve, e muitas, no Brasil. Em geral, serviram para dar guarida a capitais voláteis, mais afeitos ao jogo especulativo que ao desenvolvimento de projetos de longo prazo.
Imaginar que basta tirar o Estado de cena para que o problema desapareça é favorecer um perverso efeito colateral: entregar os mercados, as empresas e as oportunidades de investimento para quem já atua em escala global e portanto tem maior acesso no exterior a mercados de capitais de fato amplos e profundos.


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