São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2000


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As mulheres e o Quarto Poder


As mulheres hoje contrapõem-se a uma herança sexista e não aos homens em particular


JORGE WERTHEIN

"Ora, pois, uma senhora à testa da redação de um jornal! Que bicho de sete cabeças será?", indagava, em 1852, o número de estréia do "Jornal das Senhoras", primeiro jornal feminino do Brasil. Dirigido pela argentina Joana Paula Manso de Noronha, o periódico abordava temas como moda, literatura, belas-artes, teatro e crítica.
Quase 150 anos depois, a indagação do "Jornal das Senhoras" já foi respondida em muitos veículos de comunicação, onde as mulheres jornalistas são cada vez mais numerosas. O "bicho de sete cabeças", afinal, provou ser tão capaz quanto o "bicho-homem".
As mulheres conquistaram espaço significativo na imprensa, o chamado Quarto Poder, e, ao que tudo indica, definitivo. Estima-se haver atualmente mais mulheres do que homens no meio jornalístico, e a tendência é que essa maciça presença cresça ainda mais.
Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em Genebra no último dia 28 informa que o meio jornalístico tem oferecido oportunidades crescentes para as mulheres, que estão entre os maiores beneficiários do mercado de trabalho criado pelos novos meios de comunicação.
No Reino Unido, diz o relatório, "cada vez mais mulheres tornam-se jornalistas". O texto cita ainda uma pesquisa conduzida em 1998, segundo a qual "mulheres com menos de 35 anos de idade, trabalhando em jornais, ganhavam um salário médio de 32 mil libras esterlinas, enquanto seus colegas do sexo masculino ganhavam em média 25 mil libras de salário".
Sobre a Espanha, o relatório afirma que, apesar de ter havido um declínio de 15% na força de trabalho em jornais diários entre 1992 e 1994, "a divisão das equipes editoriais cresceu de 37% para 46% e a proporção de mulheres nessas equipes subiu de 27% para 29,5%".
Ainda segundo o relatório da OIT, as mulheres, que representavam menos de 20% dos jornalistas em Portugal durante os anos 80, agora compõem mais de 30% da profissão, a qual quadruplicou na última década.
No entanto a presença cada vez maior das mulheres no exercício diário do jornalismo ainda não encontra correspondência no comando dos veículos de imprensa, que permanece, em sua maior parte, nas mãos masculinas. Essa situação reflete, na verdade, a posição das mulheres em geral na sociedade contemporânea. Elas estão cada vez mais presentes e atuantes, mas continuam, na maioria dos casos, alijadas dos altos postos de chefia.
Não é por acaso, portanto, que a Unesco decidiu homenagear, no Dia Internacional da Mulher -amanhã-, a figura da mulher jornalista. Recentemente o diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, lançou um apelo internacional intitulado "As mulheres fazem a notícia", pelo qual demonstra o desejo da Unesco de que, nesse dia de comemoração, as jornalistas assumam os cargos de chefia nos jornais, revistas e emissoras de rádio e de televisão.
Considerando o grande impacto dos meios de comunicação na sociedade atual, a Unesco acredita na importância particular de destacar a necessidade de equidade entre homens e mulheres no controle desses meios. A iniciativa, mesmo que simbólica, ao partir da mídia, terá grande impacto em outras esferas de poder, em que as mulheres ainda não ocuparam maiores espaços, sobretudo em posições de comando.
A atenção da Unesco para com as questões relacionadas às mulheres também é crescente. A organização tem dado prioridade a questões de interesse, apoiado e participado de iniciativas como a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim, China, em 1995.
O programa da Unesco Educação para Todos reflete, entre outros aspectos, a preocupação com a extensão da educação a mulheres e meninas. O Prêmio Unesco/Helena Rubinstein a Mulheres Cientistas é uma forma simbólica de apelo à equidade entre os gêneros também no campo da ciência. No Brasil, publicações da Unesco como "Gênero e Meio Ambiente" e "Engendrando um Novo Feminismo" estimulam a reflexão sobre questões de interesse para homens e mulheres, assim como a pesquisa, a ser lançada neste ano, sobre relações de gênero nos assentamentos rurais da reforma agrária.
Um exemplo ilustra a atenção da Unesco para a situação das mulheres no exercício da profissão de jornalista. Há dois anos, o segundo Prêmio Mundial Unesco/Guillermo Cano de Liberdade de Imprensa foi concedido a uma jornalista, a nigeriana Christina Anyanwu, diretora e redatora-chefe da revista "Sunday Magazine", publicada em Lagos, Nigéria.
Nesse contexto, em que se celebra mais um Dia Internacional da Mulher, convém sublinhar, por fim, que as mulheres hoje contrapõem-se a uma herança sexista e não aos homens em particular. Trata-se de vencer uma cultura, e não exatamente pessoas ou instituições, e essa vitória tem sido conquistada a cada dia, a cada nova empreitada de sucesso das mulheres no mercado de trabalho e no ambiente social.


Jorge Werthein, 58, sociólogo argentino, doutor em educação pela Universidade de Stanford (EUA), é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) no Brasil.



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