São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O papel estratégico das cotas
CARLOS VOGT
No final do século, a libertação criou a ilusão de uma sociedade aberta, mas que, na realidade, não tinha a perspectiva de integração dos negros. A sociedade era condescendente do ponto de vista das relações inter-raciais, mas essa ilusória democracia racial carregava sérios problemas de discriminação. A proposta de ajuste de contas com o passado que aparece na obra desses autores foi muitas vezes atropelada pelas transformações mundiais que ocorreram a partir da Segunda Grande Guerra, floresceram após a Guerra Fria e irromperam depois de um conjunto de mudanças marcadas pela queda do muro de Berlim, no final dos anos 80. Sob a égide neoliberal da globalização nos anos 90, o esforço volta-se agora para a superação dos problemas sociais que se acumularam. Dura tarefa, pois, de certo modo, os instrumentos que o neoliberalismo oferece à democracia são os mesmos que limitam a liberdade, que constitui esse regime, à liberdade de circulação financeira. O desafio atual é o de tornar ética e social a essência pragmática da globalização. Hoje perfilado entre os países de economia emergente, o Brasil também deve resolver os graves problemas sociais que ainda permanecem para emergir efetivamente. Entre esses problemas, que sugerem a adoção de medidas estruturais e emergenciais para serem solucionados, está a desproporcional oferta de oportunidades na área educacional a cidadãos autodeclarados brancos, pardos e negros. É preciso que se criem condições para o pleno cumprimento do inciso IV do artigo 3º da Constituição brasileira: "Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". E a reserva de cotas na universidade aparece como uma política pública compensatória de caráter afirmativo para eliminar o estigma social da origem da população negra e acelerar seu acesso a todos os quadros da hierarquia social de forma equitativa e proporcional. Dificuldades operacionais devem aparecer durante a implantação do sistema, mas elas são próprias de iniciativas que propõem mudanças efetivas na sociedade. Em paralelo a medidas estruturais, cujos resultados aparecem no longo prazo, como a melhoria da qualidade e a ampliação do acesso à educação fundamental e média, a Lei de Cotas é mais que legítima e deve ser vista como estratégia emergencial para acelerar o processo; e deve ser substituída quando resultados mais permanentes de políticas estruturais permitirem uma distribuição equitativa, e portanto justa, das oportunidades que o conhecimento oferece. É legítima porque mostra o lado mais espetacular, mais forte e mais aparente da desigualdade social produzida no país. Carlos Vogt, 60, poeta e linguista, é vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp (1990-94). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Antonio Carlos Zanini: Vigilância sanitária, economia e barreiras Índice |
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