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TENDÊNCIAS/DEBATES
Vigilância sanitária, economia e barreiras
ANTONIO CARLOS ZANINI
Quem pensa que a Vigilância Sanitária cuida apenas da qualidade,
eficiência e segurança de medicamentos
acerta em parte, mas não conhece o
principal. As funções do órgão de vigilância sanitária (no Brasil, a Anvisa) vão
além, pois influenciam a economia, o
acesso da população aos medicamentos
e, portanto, norteiam a soberania e a independência do país na saúde.
Construir barreiras técnicas e comerciais é uma das mais importantes funções desse órgão. Remédios, aviões, alimentos, automóveis e outros produtos
seguem uma mesma regra comercial: é
a da proteção do produto nacional, por
meio de barreiras técnicas e comerciais,
contra a indústria estrangeira.
Por que o Brasil tem dificuldades em
exportar vários de seus produtos agrícolas? Por que carros americanos são
raramente vistos na Europa? Por que o
Brasil briga tanto com o Canadá por
causa dos aviões? A verdade é difícil de
apurar e fácil de distorcer; há milhares
de produtos a controlar, além de muito
dinheiro e aliciamento envolvidos.
Planejando-se pesquisas com doses
insuficientes ou excessivas de concorrentes, os resultados distorcem a verdade. Esconder resultados negativos e divulgar apenas os positivos é prática antiética, mas muito comum. As "razões
científicas convenientes" parecem sérias, iludem técnicos incompetentes,
cientistas incautos e a população, mas
saltam aos olhos quando se comparam
decisões entre países.
No caso dos medicamentos, a "barreira técnica", a "barreira comercial" e as
"tramas de mercado" têm aspectos típicos. As indústrias farmacêuticas "multinacionais" (americanas e européias)
precisam de dois mecanismos para
manter sua lucratividade: as patentes e
o "trade-up".
Para os países produtores, medicamento é produto de investimento, que
traz lucro. A indústria não faz pesquisa
pelo bem da humanidade, mas porque
o retorno é bom. Dentre as centenas de
novos medicamentos, poucos são os
que representam real novidade terapêutica. Sabe-se que a indústria farmacêutica investe entre 10% e 15% em pesquisa
e mais de 20% em mercado. Logo é óbvio que o mercado é mais importante
que a pesquisa.
Para que um produto patenteado possa ser vendido é preciso criar mercado.
É nesse ponto que entra o "trade-up",
ou "troca para cima", de produtos. É o
mecanismo de mercado pelo qual um
produto antigo é trocado por outro, de
maior rentabilidade. Isso pode ser feito
entre duas empresas diferentes, mas é
mais comum com os produtos da mesma indústria. Se uma empresa quer retirar seu produto de mercado, como a Vigilância Sanitária pode negar seu cancelamento? No Brasil, esse jogo do mercado é crime, conhecido há 20 anos.
Na indústria, dezenas de cérebros brilhantes procuram distorcer, exagerar
meias-verdades e inventar defeitos do
concorrente. Quando uma patente está
prestes a expirar, já existe um novo medicamento sendo preparado para a
substituição. O novo não precisa ser
melhor, pode até ser um pouco pior que
o antigo, mas precisa ter patente.
A indústria não faz pesquisa pelo bem da humanidade, mas
porque o retorno é bom
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Países como o Canadá, por exemplo,
só licenciam novos medicamentos se
houver real vantagem terapêutica.
O "trade-up" inclui a batalha de desgaste e retirada dos genéricos do mercado. As multinacionais investem na
compra de indústrias voltadas aos genéricos. Além disso, iniciaram uma genial
guerra pelo controle de leis para "afogar" os genéricos, de modo a evitar que
estes diminuam seus lucros. Citam-se
pelo menos duas grandes vitórias das
multinacionais:
1) Foi proibido o uso de nome genérico em "similares", quando bastaria
identificar o seu produtor;
2) Foi dificultado o registro de "genéricos", por meio de testes que, mesmo
incompletos, são caríssimos e muitas
vezes desnecessários.
Nos países exportadores de novos
medicamentos, a Vigilância Sanitária
ajuda, pois o lucro gerado mantém a
qualidade de vida no país. Nos países
em desenvolvimento, é vital conservar
os bons produtos antigos, sem se deixar
enganar por decisões aparentemente
sérias, mas subordinadas ao interesse
comercial dos exportadores.
É função da Anvisa avaliar a relação
entre custo, eficácia e qualidade dos remédios, impor barreiras técnicas, condicionar registros de equivalentes terapêuticos à sua síntese e produção no
país, impedir a entrada de produtos cuja qualidade não é segura, impedir a distorção científica gerada por pesquisa
antiética, zelar pela informação correta
ao médico e ao consumidor e criar condições para o crescimento de uma verdadeira indústria nacional. Não é o que
se viu nos últimos anos.
A atual estrutura da Anvisa está totalmente inadequada às suas funções. A
diretoria tem de ser sempre da confiança do presidente, portanto não pode ser
estável; os técnicos especialistas em análises farmacológicas devem ter estabilidade, para que possam opinar livres de
pressões. É o oposto do que existe hoje.
Só haverá síntese e produção de medicamentos no Brasil se o governo decidir
amparar quem investe, seja indústria
nacional ou não. Melhor e mais seguro é
investir nos laboratórios estatais.
Em resumo, a Anvisa é matéria de segurança nacional e o acesso da população ao tratamento medicamentoso deve
depender da efetiva atuação dos senhores ministros da Saúde, da Economia e
do Comércio Exterior, sob supervisão
pessoal do presidente da República.
Antonio Carlos Zanini, 64, editor médico do Grupo Zanini-Oga, foi secretário nacional de Vigilância Sanitária (1980-85).
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