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ABC não rimou com FHC
LUIZ MARINHO e
VICENTE PAULO DA SILVA
A manifestação dos trabalhadores no
ABC realizada no dia 14/3 deve ser entendida como um protesto eminentemente democrático. Houve também
motivo para alegria, com o lançamento
oficial do novo carro mundial Ka, na
planta da Ford, em São Bernardo.
Protesto porque existe uma parte significativa da sociedade insatisfeita com
o rumo que o atual governo está determinando, principalmente, à reforma
da Previdência e à reforma agrária, e
ainda pelo descaso de FHC com o desemprego.
Alegria porque a região do ABC foi
escolhida para produzir o novo modelo
da Ford, opção da montadora que reafirma a competência profissional dos
operários da empresa. Mesmo não
criando novos postos de trabalho, pelo
menos a nova linha nos coloca diante
da perspectiva da manutenção do nível
de emprego.
Nem todos entenderam o dia 14 dessa
forma. Assustados e despreparados,
formadores de opinião, analistas, alguns jornais e jornalistas conseguiram
alardear um clima de medo, tensão e
até a possibilidade de sabotagem durante a manifestação.
Provavelmente são os que só vêem
unanimidade em torno da figura do
presidente da República e desconhecem a história dos trabalhadores do
ABC, feita com debates, críticas e também com propostas construídas coletivamente.
Enganam-se, e muito, aqueles que
querem que o sindicato e os trabalhadores se acovardem e silenciem diante
de tanto desrespeito; atuar em espaços
como a Câmara do ABC com propostas
concretas, sem abrir mão dos princípios e sem perder a identidade de luta,
só fortalece a democracia.
Fernando Henrique Cardoso foi testemunha de um ato político civilizado
e, acima de tudo, sério e legítimo. Saiu
de São Bernardo sabendo da insatisfação dos trabalhadores, mas consciente
de que não foi desrespeitado, porque
quis ``vir ao ABC para encontrar Meneguelli, Vicentinho e Marinho, frente
a frente'' -conforme ele mesmo disse-, ``cada um com sua opinião, mas
com sua dignidade. Esta, sim, tem que
ser respeitada''. E foi.
Esses trabalhadores são os mesmos
que, nos anos difíceis da ditadura militar, ousaram cruzar os braços, ao lado
das máquinas paradas, para dar a sua
contribuição decisiva à retomada da
democracia no Brasil.
E, naqueles tristes dias, Fernando
Henrique também se fez presente no
ABC, ao lado de Lula, ``para buscar o
respeito ao direito do trabalhador, o
primeiro dos quais é o da palavra'', como lembrou o presidente no dia 14, e
que, por definição, entendemos como
liberdade de expressão e manifestação.
Hoje, esses mesmos operários estão
empenhados na consolidação da Câmara Regional do ABC, instalada no
último dia 12, fórum que reúne governo do Estado, prefeituras locais, empresas e sindicatos
de trabalhadores.
Todos preocupados com a tarefa de
reconduzir a região, com mais de
2 milhões de habitantes, aos níveis
anteriores de crescimento econômico, com geração de
emprego, renda e
conforto social.
São trabalhadores experientes, qualificados e, acima de tudo, orgulhosos de
tudo o que fabricam e sonham: riqueza
e democracia.
E eles, particularmente os metalúrgicos do ABC, não poderiam perder a
oportunidade de mostrar ao primeiro
mandatário do país a insatisfação da
sua classe com a proposta de aposentadoria aos 65 anos, enquanto a expectativa de vida do brasileiro é de 62 anos.
Proposta que eleva a contribuição e diminui o valor da aposentadoria para R$
224, contra os já reduzidos R$ 957
atuais.
Protestar por causa da demissão de
6.000 pais de família só na empresa que
visitou. Pelas 80 mil pessoas da categoria que perderam seu emprego e se juntaram aos 10 milhões de brasileiros que
hoje perambulam pelas esquinas e faróis para levar comida para casa.
Esses são alguns dos problemas de
responsabilidade do presidente, que
muitos tentam camuflar. Somados
escândalos e maracutaias de toda ordem, como Sivam,
Proer, precatórios,
nos causam revolta
e nos levam às manifestações.
Assim, não há
unanimidade em
relação a Fernando
Henrique Cardoso e às políticas sociais
e econômicas do seu governo. Assim,
repetimos aqui, nas palavras ditas pelos
operários no dia 14: ``ABC não rima
com FHC''.
Luiz Marinho, 37, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Vicente Paulo da Silva, 40, é presidente da Central Única dos Trabalhadores
do Brasil e presidente do Instituto Interamericano pela Igualdade Racial.
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