São Paulo, segunda, 7 de abril de 1997.

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ABC não rimou com FHC

LUIZ MARINHO e
VICENTE PAULO DA SILVA


A manifestação dos trabalhadores no ABC realizada no dia 14/3 deve ser entendida como um protesto eminentemente democrático. Houve também motivo para alegria, com o lançamento oficial do novo carro mundial Ka, na planta da Ford, em São Bernardo.
Protesto porque existe uma parte significativa da sociedade insatisfeita com o rumo que o atual governo está determinando, principalmente, à reforma da Previdência e à reforma agrária, e ainda pelo descaso de FHC com o desemprego.
Alegria porque a região do ABC foi escolhida para produzir o novo modelo da Ford, opção da montadora que reafirma a competência profissional dos operários da empresa. Mesmo não criando novos postos de trabalho, pelo menos a nova linha nos coloca diante da perspectiva da manutenção do nível de emprego.
Nem todos entenderam o dia 14 dessa forma. Assustados e despreparados, formadores de opinião, analistas, alguns jornais e jornalistas conseguiram alardear um clima de medo, tensão e até a possibilidade de sabotagem durante a manifestação.
Provavelmente são os que só vêem unanimidade em torno da figura do presidente da República e desconhecem a história dos trabalhadores do ABC, feita com debates, críticas e também com propostas construídas coletivamente.
Enganam-se, e muito, aqueles que querem que o sindicato e os trabalhadores se acovardem e silenciem diante de tanto desrespeito; atuar em espaços como a Câmara do ABC com propostas concretas, sem abrir mão dos princípios e sem perder a identidade de luta, só fortalece a democracia.
Fernando Henrique Cardoso foi testemunha de um ato político civilizado e, acima de tudo, sério e legítimo. Saiu de São Bernardo sabendo da insatisfação dos trabalhadores, mas consciente de que não foi desrespeitado, porque quis ``vir ao ABC para encontrar Meneguelli, Vicentinho e Marinho, frente a frente'' -conforme ele mesmo disse-, ``cada um com sua opinião, mas com sua dignidade. Esta, sim, tem que ser respeitada''. E foi.
Esses trabalhadores são os mesmos que, nos anos difíceis da ditadura militar, ousaram cruzar os braços, ao lado das máquinas paradas, para dar a sua contribuição decisiva à retomada da democracia no Brasil.
E, naqueles tristes dias, Fernando Henrique também se fez presente no ABC, ao lado de Lula, ``para buscar o respeito ao direito do trabalhador, o primeiro dos quais é o da palavra'', como lembrou o presidente no dia 14, e que, por definição, entendemos como liberdade de expressão e manifestação.
Hoje, esses mesmos operários estão empenhados na consolidação da Câmara Regional do ABC, instalada no último dia 12, fórum que reúne governo do Estado, prefeituras locais, empresas e sindicatos de trabalhadores. Todos preocupados com a tarefa de reconduzir a região, com mais de 2 milhões de habitantes, aos níveis anteriores de crescimento econômico, com geração de emprego, renda e conforto social.
São trabalhadores experientes, qualificados e, acima de tudo, orgulhosos de tudo o que fabricam e sonham: riqueza e democracia.
E eles, particularmente os metalúrgicos do ABC, não poderiam perder a oportunidade de mostrar ao primeiro mandatário do país a insatisfação da sua classe com a proposta de aposentadoria aos 65 anos, enquanto a expectativa de vida do brasileiro é de 62 anos. Proposta que eleva a contribuição e diminui o valor da aposentadoria para R$ 224, contra os já reduzidos R$ 957 atuais.
Protestar por causa da demissão de 6.000 pais de família só na empresa que visitou. Pelas 80 mil pessoas da categoria que perderam seu emprego e se juntaram aos 10 milhões de brasileiros que hoje perambulam pelas esquinas e faróis para levar comida para casa.
Esses são alguns dos problemas de responsabilidade do presidente, que muitos tentam camuflar. Somados escândalos e maracutaias de toda ordem, como Sivam, Proer, precatórios, nos causam revolta e nos levam às manifestações.
Assim, não há unanimidade em relação a Fernando Henrique Cardoso e às políticas sociais e econômicas do seu governo. Assim, repetimos aqui, nas palavras ditas pelos operários no dia 14: ``ABC não rima com FHC''.

Luiz Marinho, 37, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Vicente Paulo da Silva, 40, é presidente da Central Única dos Trabalhadores do Brasil e presidente do Instituto Interamericano pela Igualdade Racial.

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