São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Assunto macabro

RIO DE JANEIRO - O assunto é velho e, pior do que velho, macabro. Discute-se, de tempos em tempos, o direito alegado pela imprensa de publicar fotos ou cenas deprimentes ou escabrosas. Na semana passada, muita gente ficou horrorizada com os corpos carbonizados de norte-americanos massacrados no Iraque.
Pouco antes, jornais e capas de revistas publicaram o cadáver esmagado de uma jovem, vítima do atentado em Madri. Ela está de boca aberta, em primeiro plano, outros corpos em volta.
Lembro aquele desastre com um avião, em Paris, no qual morreram Filinto Muller, Regina de Rosemburgo e o cantor Agostinho dos Santos. Uma revista deu na capa a foto em que aparecem os corpos carbonizados de alguns passageiros, ainda sentados na poltronas, enquadrados pelas janelinhas, que ficaram intactas.
E o que dizer dos horrores dos campos de concentração da última guerra mundial, corpos reduzidos a ossos amontoados em carretas, a caminho dos fornos crematórios. Pulando de gênero e grau, o filme de Mel Gibson sobre a paixão de Cristo, que ainda não vi nem verei.
Há duas coordenadas para explicar a insistência com que a mídia, nela incluindo TV, cinema e imprensa em geral, se esponja em momentos assim dramáticos. Uma delas é a agressão ao bom gosto, no pressuposto de que o impacto da imagem tenha um apelo comercial e melhore o consumo do produto, seja o filme, o jornal, a revista ou o programa de TV.
A outra explicação não chega a explicar nada: é o decantado direito de informar, mostrar como as coisas se passaram, para esclarecimento de mentes e corações.
Nos anos 80, como diretor de uma revista ilustrada, recusei comprar uma série de fotos tiradas por uma câmara comandada a distância, mostrando o processo de decomposição do corpo humano na sepultura. A revista fechou, anos mais tarde. Não creio que as fotos recusadas pudessem salvá-la.


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