São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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JOSÉ SARNEY

Pit bull fora de moda

As pesquisas de opinião pública, instrumento moderno de bisbilhotar o pensamento coletivo, oferecem-nos surpresas que, muitas vezes, não são sonhadas. A maior conseqüência política da pesquisa de opinião, como diria o Conselheiro Acácio, é a aferição da legitimidade dos governantes. Nada dá mais calafrios a quem governa do que uma pesquisa para baixo.
Mas não é esse o motivo da minha curiosidade. É uma pesquisa que acabo de ler da insuspeita Fundação Perseu Abramo, do PT, divulgada pelo Instituto da Cidadania, fundado pelo presidente Lula. Ela procura saber o perfil da juventude brasileira. Algumas surpresas são grandes. Os dados dizem que 45% do entrevistados se consideram de centro, 21% de direita e apenas 16% de esquerda. Também coincidem nos mesmos 16% os que consideram a ditadura melhor que a democracia. Eles não são mais ideológicos, 46% não sabem sequer o que significa socialismo. A quase totalidade tem orgulho de ser brasileiro, 91% já saíram do "ame-o ou deixe-o", todos têm o Brasil em boa conta. Lembram-me um encontro que tive com Alçada Baptista, o grande escritor português contemporâneo, em que ele me dizia: "Eu agradeço a Deus por ter me feito português. Calcule -prosseguia- se ele tivesse me feito mulher no Irã". É o mesmo sentimento da juventude de agradecer a Deus por ser brasileira e por não desperdiçar a vida numa guerra escura, tendo de ir para o Iraque torturar aquela pobre gente, que, além de todas as amarguras, ainda tem de brincar de sexo grupal, com a consciência do Alcorão e o temor a Muhammad.
Um jornal brasileiro, comentando os resultados dessa pesquisa, diz que, "depois de ver uma realidade que inclui padres acusados de desvio de comportamento, políticos em escândalo, pais que abandonam a família, o jovem pergunta: em que vamos nos apoiar? O jovem pode estar buscando soluções num velho baú".
Essa pesquisa vem nos confrontar com um dos principais perigos da informação atual: o pseudofato. O estereótipo que a grande mídia faz da nossa juventude é dos raps, skinheads, pit bulls, gangues. Essa é a face dramática. Mas a verdade invisível é a presença de uma juventude responsável, estudiosa, que sabe que os desafios da vida moderna só poderão ser vencidos com trabalho, conhecimento e valores morais. Os jovens consultados (98%) confiam muito mais na família do que no governo ou em outras instituições. A instituição da família, que muitas vezes nos parece em desintegração, é a esperança dos jovens, o que aumenta a responsabilidade dos pais e de todos os que são responsáveis por ela como repositório dos valores da convivência e da vida.
O grande problema é o desamparo, que começa na renúncia dos pais aos seus deveres. É a falta de oportunidades, é a sedução da marginalidade, principalmente entre os mais pobres e os segregados em guetos sem condições nem qualidade de vida, como as favelas e os acampamentos de periferia.
O que nos vem desses dados é a crença de que a cabeça dos jovens está íntegra, malgrado os problemas que atravessam, desencantos e frustrações. Os grandes perigos são o Estado incapaz de cumprir com seus deveres, os valores perdidos e os exemplos desastrosos.
Platão dizia: "A velhice é ponderada e prudente. A juventude diz: "É assim!'". Parece que a coisa está diferente. A juventude está dizendo: "Velhos, juízo!"


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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