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CLAUDIA ANTUNES
Seja marginal, seja herói
RIO DE JANEIRO - Foi uma daquelas notícias sobre países longínquos ou
nem tanto que, às vezes, parecem
chegar sem passado e sem futuro à
imprensa brasileira: na semana passada, os jornais publicaram informações sobre o massacre de mais de cem
jovens por tropas do Exército no sul
da Tailândia.
O episódio foi confuso. O governo
tailandês dizia que os mortos pertenciam a gangues criminosas que haviam atacado postos de polícia. Analistas e autoridades da região da chacina afirmavam que eles eram militantes muçulmanos, minoria no país
predominantemente budista.
Depois de dois dias, não saiu por
aqui mais nenhuma notícia. Mas o
que impressionou foram as fotografias dos corpos caídos no meio da rua,
alguns rostos em close. Dava para
perceber que eram homens muito jovens, alguns com o rosto coberto por
um lenço vermelho, igual ao usado
no Oriente Médio.
Apesar da distância geográfica, das
diferenças de língua, de crença e de
quase tudo, a correspondência que
veio à cabeça foi com imagens registradas poucos dias antes no Rio de
Janeiro: homens jovens e adolescentes com os rostos cobertos no enterro
do traficante Lulu da Rocinha, os dedos para cima formando o CV de Comando Vermelho; garotos de 13 e 14
anos com olhos e boca igualmente tapados por camisetas saqueando uma
fábrica abandonada no complexo de
favelas do Alemão.
"Seja marginal, seja herói." Quando o tropicalista Hélio Oiticica fez
desse o seu lema, há quase 40 anos,
soava transgressor, no bom sentido, e
mesmo revolucionário. Hoje, o enunciado parece guiar um mundo verdadeiramente paralelo, que só sob a forma do medo tangencia aquele dos
que ainda acordam e vão dormir como se vivessem na normalidade.
Nas periferias deste mundo selvagem, antigos valores se perderam e o
futuro não existe para boa parte dos
jovens. Vale a sobrevivência que puder ser garantida hoje, rapidamente,
sem vacilo, porque a morte está com
uma pressa cada vez maior.
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