São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLAUDIA ANTUNES

Seja marginal, seja herói

RIO DE JANEIRO - Foi uma daquelas notícias sobre países longínquos ou nem tanto que, às vezes, parecem chegar sem passado e sem futuro à imprensa brasileira: na semana passada, os jornais publicaram informações sobre o massacre de mais de cem jovens por tropas do Exército no sul da Tailândia.
O episódio foi confuso. O governo tailandês dizia que os mortos pertenciam a gangues criminosas que haviam atacado postos de polícia. Analistas e autoridades da região da chacina afirmavam que eles eram militantes muçulmanos, minoria no país predominantemente budista.
Depois de dois dias, não saiu por aqui mais nenhuma notícia. Mas o que impressionou foram as fotografias dos corpos caídos no meio da rua, alguns rostos em close. Dava para perceber que eram homens muito jovens, alguns com o rosto coberto por um lenço vermelho, igual ao usado no Oriente Médio.
Apesar da distância geográfica, das diferenças de língua, de crença e de quase tudo, a correspondência que veio à cabeça foi com imagens registradas poucos dias antes no Rio de Janeiro: homens jovens e adolescentes com os rostos cobertos no enterro do traficante Lulu da Rocinha, os dedos para cima formando o CV de Comando Vermelho; garotos de 13 e 14 anos com olhos e boca igualmente tapados por camisetas saqueando uma fábrica abandonada no complexo de favelas do Alemão.
"Seja marginal, seja herói." Quando o tropicalista Hélio Oiticica fez desse o seu lema, há quase 40 anos, soava transgressor, no bom sentido, e mesmo revolucionário. Hoje, o enunciado parece guiar um mundo verdadeiramente paralelo, que só sob a forma do medo tangencia aquele dos que ainda acordam e vão dormir como se vivessem na normalidade.
Nas periferias deste mundo selvagem, antigos valores se perderam e o futuro não existe para boa parte dos jovens. Vale a sobrevivência que puder ser garantida hoje, rapidamente, sem vacilo, porque a morte está com uma pressa cada vez maior.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Ninguém se entende
Próximo Texto: José Sarney: Pit bull fora de moda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.