São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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JOSÉ SARNEY

O dédalo vertical

Certa vez, em uma recepção de casamento em São Paulo, depois da renúncia, encontrei o presidente Jânio Quadros. Dele se aproximou-se um empresário de imprensa de um jornal que muito o combatera. Jânio, ao cumprimentá-lo, perguntou-lhe com agressividade: "Você sabe o que tem a cabeça do seu pai?". E ele mesmo respondeu: "Dédalo, o dé...da...lo! O dé...da...lo." Não preciso dizer que a reação foi proporcional à provocação. Palavrões saíram, e eu me afastei.
Agora, estamos entrando, de fato, no clima eleitoral, e a paisagem econômica e política do país é de um dédalo total. A verticalização, se foi feita com bons objetivos, transformou-se numa monumental tragédia. Se a estrutura partidária era frágil, desintegrou-se de vez. A tal coerência nacional da verticalização deu numa formidável incoerência supranacional. Tudo que é artificial não dá bons frutos. Ulysses repetia, não sei se sua, a frase: "Ninguém mora na Federação". Esta é a soma dos Estados. É aquilo que o historiador Fernando Novais chamava de "pátrias regionais". E, no Império, Teixeira Júnior defendia essa idéia dizendo: "A minha pátria começa no meu distrito". Faulkner e Tolstói abordam o tema da força da "aldeia", que, sendo regional, torna-se universal.
Os grandes partidos acabaram. O ideal partidário é conquistar o poder, ter candidaturas competitivas. Hoje, o grande esforço dos partidos é não ter candidato para assegurar a sobrevivência de suas bancadas. É o caso do PFL, do PPB, do PL e do PMDB. O PSDB, para dar fôlego à coligação, está interferindo nas suas secções estaduais. Fala-se em coligação "branca", "camarão", "ostensiva", "defensiva", "chapão", "chapinha", artifícios como candidatos apenas para uma vaga de senador, deixando a outro a outra vaga, numa coligação real, fugindo da outra, virtual. Enfim, o esforço para sair dos problemas da verticalização. A fidelidade partidária, o programa, a coerência, tudo foi para o brejo. Só há uma lei, aquela de Canudos na hora da derrota: "É tempo de murici, cada um cuida de si". O processo eleitoral presidencial nunca esteve tão tumultuado, tão caótico. Os grandes partidos vão sair desestruturados, e sairão beneficiados os pequenos, chamados de "cartórios de eleição", porque, sem candidatos, sem compromissos e entregues ao jogo pessoal, podem mover-se.
O presidente da República não fez a reforma política e jogou-nos nessa teia de aranha.
A estabilidade política e econômica foi para a Cucuia. O risco Brasil é de mil pontos, atrás apenas do da Argélia e do da Argentina. O dólar dispara. No meio dessa confusão, o Banco Central confisca 5% dos investidores. Os títulos baixam, o desemprego chega a 20% e o PIB cai -e com ele cai a confiança.
A embaixadora americana desmancha os fantasmas e diz que Lula é o "sonho brasileiro".
Enquanto isso, repete-se à boca pequena o velho brocardo popular, adaptado à eleição: "Fogo de serra acima e voto de serra abaixo ninguém segura".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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