|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
O dédalo vertical
Certa vez, em uma recepção de
casamento em São Paulo, depois
da renúncia, encontrei o presidente
Jânio Quadros. Dele se aproximou-se
um empresário de imprensa de um
jornal que muito o combatera. Jânio,
ao cumprimentá-lo, perguntou-lhe
com agressividade: "Você sabe o que
tem a cabeça do seu pai?". E ele mesmo respondeu: "Dédalo, o dé...da...lo!
O dé...da...lo." Não preciso dizer que a
reação foi proporcional à provocação.
Palavrões saíram, e eu me afastei.
Agora, estamos entrando, de fato,
no clima eleitoral, e a paisagem econômica e política do país é de um dédalo
total. A verticalização, se foi feita com
bons objetivos, transformou-se numa
monumental tragédia. Se a estrutura
partidária era frágil, desintegrou-se de
vez. A tal coerência nacional da verticalização deu numa formidável incoerência supranacional. Tudo que é artificial não dá bons frutos. Ulysses repetia, não sei se sua, a frase: "Ninguém
mora na Federação". Esta é a soma
dos Estados. É aquilo que o historiador Fernando Novais chamava de
"pátrias regionais". E, no Império,
Teixeira Júnior defendia essa idéia dizendo: "A minha pátria começa no
meu distrito". Faulkner e Tolstói
abordam o tema da força da "aldeia",
que, sendo regional, torna-se universal.
Os grandes partidos acabaram. O
ideal partidário é conquistar o poder,
ter candidaturas competitivas. Hoje, o
grande esforço dos partidos é não ter
candidato para assegurar a sobrevivência de suas bancadas. É o caso do
PFL, do PPB, do PL e do PMDB. O
PSDB, para dar fôlego à coligação, está
interferindo nas suas secções estaduais. Fala-se em coligação "branca",
"camarão", "ostensiva", "defensiva",
"chapão", "chapinha", artifícios como
candidatos apenas para uma vaga de
senador, deixando a outro a outra vaga, numa coligação real, fugindo da
outra, virtual. Enfim, o esforço para
sair dos problemas da verticalização.
A fidelidade partidária, o programa, a
coerência, tudo foi para o brejo. Só há
uma lei, aquela de Canudos na hora da
derrota: "É tempo de murici, cada um
cuida de si". O processo eleitoral presidencial nunca esteve tão tumultuado, tão caótico. Os grandes partidos
vão sair desestruturados, e sairão beneficiados os pequenos, chamados de
"cartórios de eleição", porque, sem
candidatos, sem compromissos e entregues ao jogo pessoal, podem mover-se.
O presidente da República não fez a
reforma política e jogou-nos nessa teia
de aranha.
A estabilidade política e econômica
foi para a Cucuia. O risco Brasil é de
mil pontos, atrás apenas do da Argélia
e do da Argentina. O dólar dispara. No
meio dessa confusão, o Banco Central
confisca 5% dos investidores. Os títulos baixam, o desemprego chega a
20% e o PIB cai -e com ele cai a confiança.
A embaixadora americana desmancha os fantasmas e diz que Lula é o
"sonho brasileiro".
Enquanto isso, repete-se à boca pequena o velho brocardo popular,
adaptado à eleição: "Fogo de serra acima e voto de serra abaixo ninguém segura".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Onde está Tim Lopes? Próximo Texto: Frases
Índice
|