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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se admitir a exploração de madeira nas Florestas Nacionais?

SIM

Flonas para uma Amazônia florestal

ADALBERTO VERÍSSIMO

O debate sobre as Flonas (Florestas Nacionais) é oportuno no momento em que se discutem modos de conciliar desenvolvimento e conservação dos recursos naturais da Amazônia. Entretanto, para que isso ocorra de forma qualificada, é importante recolocar com clareza os conceitos, os fatos e a importância estratégica dessas unidades de conservação para o futuro da Amazônia.
Inicialmente, é preciso considerar o dilema da Amazônia ao discutir o papel das Flonas. A ocupação baseada na agropecuária é a grande ameaça ao futuro da floresta amazônica. Atualmente, 15% da Amazônia legal já foi desmatada, e as projeções mais recentes sugerem que a abertura de estradas e a expansão da agropecuária poderão provocar o desmatamento de quase metade da Amazônia até o ano 2020.
Para evitar esse colapso ecológico, é essencial adotar medidas que conciliem conservação e desenvolvimento sustentado. Primeiro, é urgente assegurar a preservação das áreas de alto valor biológico, através da expansão das terras indígenas, parques, reservas biológicas, Florestas Nacionais, reservas extrativistas e outros tipos de unidades de conservação -o que poderia proteger 50% da Amazônia (atualmente, apenas 30% está protegida). Segundo, é crucial apoiar o uso racional das florestas sob domínio privado (35% do território), através da adoção do manejo florestal sustentável. Finalmente, é essencial promover a recuperação das áreas degradadas e a intensificação da agricultura nas áreas desmatadas (cerca de 15%).
Na cesta de soluções para a manutenção da cobertura florestal, as Flonas têm um papel de destaque. De acordo com a legislação brasileira, as Flonas são uma categoria de unidade de conservação, com cobertura florestal de espécies nativas, cujo objetivo básico é o uso racional dos recursos florestais sob regime de manejo sustentável. Atualmente, as Flonas cobrem apenas 2% da Amazônia. De acordo com as metas do Programa Nacional de Florestas, as Flonas deverão representar 500 mil km2 da Amazônia -ou 10% do território- até 2010.
As Flonas têm uma função estratégica para a promoção do manejo florestal, pois asseguram oferta de produtos florestais manejados. Além disso, elas podem deter "grilagem" de terras públicas na fronteira amazônica, capturar renda da floresta pelo pagamento de royalties e conservar a biodiversidade, uma vez que podem ser uma zona-tampão ao redor dos parques e reservas, além de proporcionar corredores para o movimento de espécies. As Flonas podem contribuir também para a estabilidade econômica na Amazônia, por meio da restrição às atividades predatórias, do limite à disponibilidade de terras, do aumento do valor da terra e do incentivo à intensificação de seu uso.
Por último, a criação estratégica de Flonas, por exemplo, nas margens das rodovias a serem asfaltadas, pode reduzir os impactos negativos de programas de abertura de estradas.
Do ponto de vista da conservação biológica, as Flonas são um complemento essencial para a proteção de parques dentro de uma estratégia global de conservação. A proteção de regiões de alta importância biológica requererá a criação de um mosaico de áreas de conservação que devem combinar Flonas (uso sustentável) com parques e reservas biológicas (áreas de proteção integral).
Enquanto a estratégia de criação de uma extensa rede de Flonas tem avançado, os desafios de sua implementação estão apenas começando. Por exemplo, a discussão efetiva sobre sistema de concessão deve incluir temas como lisura e transparência do processo, oportunidades para as populações locais e capacidade gerencial do governo. Além disso, será importante discutir formas de compensação ou repartição dos benefícios da utilização das Flonas com os governos e comunidades locais.
Há apoio político expressivo para a expansão da área de Flonas na Amazônia. Porém sua implementação será repleta de desafios, os quais devem ser enfrentadas com coragem e competência. Por outro lado, a dinâmica de ocupação e exploração predatórias e ilegais poderá continuar vigorosamente na fronteira amazônica. Portanto a viabilidade da criação de Flonas depende de medidas emergenciais para ganhar tempo, como o combate à grilagem de terras.
No curto prazo (três a quatro anos), o governo deveria priorizar experiências-piloto de manejo nas Flonas, ao mesmo tempo em que ampliaria a criação dessas unidades. Nesse intervalo, a maior parte delas deveria ser mantida como reserva estratégica para manejo no médio e no longo prazo, quando as condições de governabilidade forem mais favoráveis a uma experiência em larga escala.


Adalberto Veríssimo, 37, mestre em ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), é pesquisador sênior do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).


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