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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se admitir a exploração de madeira nas Florestas Nacionais?

NÃO

O papel social da madeira

DANIEL NEPSTAD

Florestas Nacionais sim, mas concessões florestais ainda não. As razões são simples. A principal é que as concessões excluem as pessoas carentes que moram nas florestas da riqueza gerada pela indústria madeireira. Além disso, as concessões podem levar a indústria madeireira -com as suas estradas, máquinas e pessoal- para as florestas menos perturbadas da região. Elas podem sobrecarregar a capacidade administrativa do governo, prejudicar as indústrias legais que trabalham em florestas privadas e aumentar a pobreza das populações rurais carentes.
Nos próximos 15 anos, a demanda por concessões vai ser baixa, devido ao grande volume de madeira advindo do desmatamento. Assim, as concessões florestais devem ser vistas como um experimento, enquanto a sociedade avalia as opções disponíveis para uma política florestal coerente.
As populações rurais carentes -agricultores, seringueiros, índios, caboclos e quilombos- ocupam e controlam quase a metade das florestas da região. Entretanto são beneficiadas com uma fatia irrisória da renda gerada pela indústria madeireira (estimada em US$ 2 bilhões ao ano). Assim, o grande desafio da política nacional de florestas na Amazônia torna-se incentivar o manejo florestal e, ao mesmo tempo, combater a pobreza nas áreas rurais.
Pode parecer impossível, mas não é. Os interesses comuns dos madeireiros e das populações rurais carentes podem formar uma base para uma política florestal socioambiental. Ambos precisam de terras legalizadas, ambos precisam de estradas secundárias, ligando a floresta à rodovia, e ambos perdem com os incêndios florestais. Os madeireiros têm maquinas, mas precisam de matéria-prima. As populações rurais carentes têm matéria-prima e precisam das máquinas. Então, qual é o problema?
A desigualdade nas relações. Quando o madeireiro vai ao encontro das populações rurais, chega com o conhecimento, o dinheiro e, em muitos casos, o poder de homens armados. Quando as máquinas chegam para tirar a madeira, as populações rurais não conseguem fiscalizar a exploração e perdem por não contabilizarem o número de arvores exploradas e a forma da exploração. Os calotes são frequentes, os preços pagos pela madeira são baixos e os danos causados na floresta são grandes.
A relação entre madeireiras e populações carentes pode ser mais justa. As populações podem aprender a negociar um valor justo por sua madeira e barganhar acordos com empresas madeireiras que invistam em boas estradas, na legalização de suas terras e na utilização de técnicas de exploração de baixo impacto. Empresas podem aprender a fazer acordos mais justos com produtores rurais, concorrendo com outras empresas por meio da qualidade dos acordos, e não pelo jogo do poder.
Em Santarém, a companhia Manejo Florestal e Prestação de Serviços (Maflops) ilustra que relações comerciais com as comunidades carentes são viáveis. Esse "experimento" de gestão florestal localiza-se na frente da única experiência de concessão na Amazônia, a Floresta Nacional de Tapajós. O sr. Antonio Leite, proprietário da Maflops, fechou acordos em seis assentamentos agrícolas, com mais de 400 famílias. As famílias que participam desses acordos recebem a regularização fundiária, um plano de manejo florestal, estradas de qualidade, um mapa das árvores e, em média, R$ 5.000 pela madeira do lote. Há uma fila de comunidades esperando fechar acordos com a Maflops. Na Flona ao lado, as comunidades espremem óleo de sementes de andiroba, mas são excluídas do lucro da concessão.
Além dos pontos já mencionados, a indústria madeireira está na iminência de uma grande transformação, devido ao asfaltamento de diversas rodovias na região. Isso vai baratear o transporte de madeira para os mercados do Sul e do Sudeste do país, viabilizando a comercialização de grande número de espécies madeireiras hoje inviáveis. Assim, a pergunta é: as populações rurais carentes, através das associações e cooperativas, estarão preparadas para transformar a indústria madeireira, cobrando acordos justos e adquirindo capacidade própria para processar e comercializar a madeira de suas florestas? Depende.
Se o governo federal adotar concessões em larga escala, atraindo a indústria madeireira para florestas com poucos moradores, isso inevitavelmente reduzirá a dependência dos madeireiros nas florestas familiares. Alternativamente, se o governo fortalecer as sinergias existentes entre o Proambiente, programa que visa remunerar agricultores por serviços ambientais prestados, e o modelo de gestão "florestas familiares", ele viabilizará a transformação da indústria madeireira. Essa opção é a mais promissora na conciliação do combate à pobreza com o manejo florestal em larga escala.
A história de concessões florestais no mundo é uma história de fracassos. Talvez o Brasil possa ser uma exceção. O caminho prudente, neste momento, é o de ensaiar concessões-piloto e engajar a sociedade amazônica no debate sobre a política florestal.


Daniel Curtis Nepstad, 45, biólogo, doutor em ciências florestais pela Universidade Yale (EUA), é fundador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e professor visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará.


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