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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se admitir a exploração de madeira nas Florestas Nacionais?
NÃO
O papel social da madeira
DANIEL NEPSTAD
Florestas Nacionais sim, mas
concessões florestais ainda não. As
razões são simples. A principal é que as
concessões excluem as pessoas carentes
que moram nas florestas da riqueza gerada pela indústria madeireira. Além
disso, as concessões podem levar a indústria madeireira -com as suas estradas, máquinas e pessoal- para as florestas menos perturbadas da região.
Elas podem sobrecarregar a capacidade
administrativa do governo, prejudicar
as indústrias legais que trabalham em
florestas privadas e aumentar a pobreza
das populações rurais carentes.
Nos próximos 15 anos, a demanda por
concessões vai ser baixa, devido ao
grande volume de madeira advindo do
desmatamento. Assim, as concessões
florestais devem ser vistas como um experimento, enquanto a sociedade avalia
as opções disponíveis para uma política
florestal coerente.
As populações rurais carentes -agricultores, seringueiros, índios, caboclos e
quilombos- ocupam e controlam quase a metade das florestas da região. Entretanto são beneficiadas com uma fatia
irrisória da renda gerada pela indústria
madeireira (estimada em US$ 2 bilhões
ao ano). Assim, o grande desafio da política nacional de florestas na Amazônia
torna-se incentivar o manejo florestal e,
ao mesmo tempo, combater a pobreza
nas áreas rurais.
Pode parecer impossível, mas não é.
Os interesses comuns dos madeireiros e
das populações rurais carentes podem
formar uma base para uma política florestal socioambiental. Ambos precisam
de terras legalizadas, ambos precisam
de estradas secundárias, ligando a floresta à rodovia, e ambos perdem com os
incêndios florestais. Os madeireiros
têm maquinas, mas precisam de matéria-prima. As populações rurais carentes têm matéria-prima e precisam das
máquinas. Então, qual é o problema?
A desigualdade nas relações. Quando
o madeireiro vai ao encontro das populações rurais, chega com o conhecimento, o dinheiro e, em muitos casos, o poder de homens armados. Quando as
máquinas chegam para tirar a madeira,
as populações rurais não conseguem
fiscalizar a exploração e perdem por
não contabilizarem o número de arvores exploradas e a forma da exploração.
Os calotes são frequentes, os preços pagos pela madeira são baixos e os danos
causados na floresta são grandes.
A relação entre madeireiras e populações carentes pode ser mais justa. As
populações podem aprender a negociar
um valor justo por sua madeira e barganhar acordos com empresas madeireiras que invistam em boas estradas, na
legalização de suas terras e na utilização
de técnicas de exploração de baixo impacto. Empresas podem aprender a fazer acordos mais justos com produtores
rurais, concorrendo com outras empresas por meio da qualidade dos acordos,
e não pelo jogo do poder.
Em Santarém, a companhia Manejo
Florestal e Prestação de Serviços (Maflops) ilustra que relações comerciais
com as comunidades carentes são viáveis. Esse "experimento" de gestão florestal localiza-se na frente da única experiência de concessão na Amazônia, a
Floresta Nacional de Tapajós. O sr. Antonio Leite, proprietário da Maflops, fechou acordos em seis assentamentos
agrícolas, com mais de 400 famílias. As
famílias que participam desses acordos
recebem a regularização fundiária, um
plano de manejo florestal, estradas de
qualidade, um mapa das árvores e, em
média, R$ 5.000 pela madeira do lote.
Há uma fila de comunidades esperando
fechar acordos com a Maflops. Na Flona
ao lado, as comunidades espremem
óleo de sementes de andiroba, mas são
excluídas do lucro da concessão.
Além dos pontos já mencionados, a
indústria madeireira está na iminência
de uma grande transformação, devido
ao asfaltamento de diversas rodovias na
região. Isso vai baratear o transporte de
madeira para os mercados do Sul e do
Sudeste do país, viabilizando a comercialização de grande número de espécies madeireiras hoje inviáveis. Assim, a
pergunta é: as populações rurais carentes, através das associações e cooperativas, estarão preparadas para transformar a indústria madeireira, cobrando
acordos justos e adquirindo capacidade
própria para processar e comercializar a
madeira de suas florestas? Depende.
Se o governo federal adotar concessões em larga escala, atraindo a indústria madeireira para florestas com poucos moradores, isso inevitavelmente reduzirá a dependência dos madeireiros
nas florestas familiares. Alternativamente, se o governo fortalecer as sinergias existentes entre o Proambiente,
programa que visa remunerar agricultores por serviços ambientais prestados,
e o modelo de gestão "florestas familiares", ele viabilizará a transformação da
indústria madeireira. Essa opção é a
mais promissora na conciliação do
combate à pobreza com o manejo florestal em larga escala.
A história de concessões florestais no
mundo é uma história de fracassos. Talvez o Brasil possa ser uma exceção. O
caminho prudente, neste momento, é o
de ensaiar concessões-piloto e engajar a
sociedade amazônica no debate sobre a
política florestal.
Daniel Curtis Nepstad, 45, biólogo, doutor em
ciências florestais pela Universidade Yale (EUA),
é fundador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e professor visitante no
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará.
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