São Paulo, terça-feira, 07 de junho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Negócios de confiança

CLAUDIO WEBER ABRAMO

O escândalo dos Correios, envolvendo um diretor de compras indicado pelo PTB, está servindo para trazer ao debate uma das principais origens da corrupção brasileira -o excesso de cargos de confiança que os dirigentes dos três Poderes, e das três esferas, têm à sua disposição para preencher. O problema dos cargos de confiança manifesta-se de forma mais aguda nas relações do Executivo com o Legislativo.


Caso a quantidade de cargos de livre nomeação fosse reduzida, isso traria enormes benefícios para a redução da corrupção


Tais relações, sempre instáveis, fazem com que, em nome da governabilidade, o Executivo negocie apoios com partidos e parlamentares isolados. Essas negociações não se dão em torno de pontos programáticos da gestão, mas de cargos na estrutura do Estado.
Apenas alguém acometido de ingenuidade terminal acreditaria que, em troca de integrar a chamada base parlamentar do governo, o PTB do sr. Roberto Jefferson reivindicou ao Planalto a área de compras dos Correios (entre outras tantas que seria importante conhecer) porque essa agremiação teria alguma espécie de compromisso ideológico com a eficiência das licitações públicas.
Reivindicou, e levou, porque na área de compras se fazem negócios. Não por acaso, os postos mais cobiçados nas tratativas entre Executivo e partidos são as diretorias de engenharia, de tecnologia, de operações e de compras. Ninguém quer a diretoria de cortinas e tapetes.
Esse troca-troca entre apoios e liberdade de fazer negócios é o que está por trás de boa parte da ocupação dos cargos ditos "de confiança" que o Executivo federal tem à disposição nas empresas estatais e na administração direta. Muitíssimos desses cargos são ocupados por pessoas que, conforme se jactou em gravação o tal fulano dos Correios, funcionam como peças de uma estrutura hierarquizada e ramificada.
Faz tempo que a Transparência Brasil tem apontado que o número de cargos de confiança precisa diminuir drasticamente no país. Para ter uma idéia da extensão do problema, basta ver que o Executivo federal conta com cerca de 22 mil dessas funções de livre nomeação.
Cada deputado federal pode nomear nada menos do que 20 pessoas, quando uma única bastaria. O prefeito da cidade de São Paulo nomeia por volta de 3.000 pessoas. Em contraste, o presidente dos EUA nomeia 9.000 pessoas. Na Europa, cujos regimes são em sua grande maioria parlamentaristas e o Estado é tocado pelo corpo funcional permanente, a quantidade é ainda menor.
Nesses países, quem gerencia o Estado não são apadrinhados de políticos, mas profissionais de carreira. No Brasil, o Estado é mal tocado por pessoas indicadas arbitrariamente e que usam a pretensa confiança de que são detentoras para fazer negócios.
Em cada uma das 5.652 prefeituras brasileiras, os prefeitos cooptam os respectivos vereadores por meio do loteamento da administração. A contrapartida dos apoios assim amealhados é a leniência do controle exercido pelo Executivo sobre as áreas loteadas.
Conforme constatado nas auditorias que a Controladoria Geral da União realiza em municípios, a ineficiência e a corrupção na gestão dos recursos públicos na esfera municipal é nada menos que catastrófica. Embora não exclusivamente, parte dessa ineficiência se deve à ocupação das funções públicas por aventureiros "de confiança".
Caso a quantidade de cargos de livre nomeação fosse reduzida, isso traria enormes benefícios para a eficiência do Estado e para a redução da corrupção, sem falar no benefício político considerável que traria para os governantes.
De fato, não tendo tantos cargos a negociar, o Executivo ficaria menos vulnerável à concupiscência partidária. De quebra, liqüidaria com a falsa questão do nepotismo, que tem sido abordada com característico viés moralista.
Caso disponha de poucos cargos a preencher por livre nomeação, um prefeito que deseje empregar a concunhada de seu periquito australiano poderá fazê-lo como quiser (afinal, o cargo é "de confiança"), mas, para isso, terá de deixar de contratar alguém qualificado para tocar seu programa de governo.
O escândalo dos Correios estimula perguntas a respeito do que está acontecendo no resto da administração federal. Em vez de atribuir a alguma intenção golpista as naturais indagações que se fazem a respeito, o governo poderia "roubar" a iniciativa, adotando pelo menos três medidas:
1) Patrocinar legislação que reduza drasticamente o número de cargos de confiança que presidentes, governadores, prefeitos, magistrados, deputados e vereadores podem preencher.
2) Publicar na internet a lista completa dos 22 mil e tantos indivíduos que foram nomeados para ocupar cargos de confiança nas estatais e na administração direta, indicando para cada um a respectiva "cota" a que pertence. A Casa Civil tem a lista completa na ponta dos dedos, pois é disso que vive a administração da "base". Temos o direito de conhecer essa lista.
3) Promover a demissão escalonada de todos os gerentes, diretores, chefes etc. de estatais nomeados no âmbito de "cotas" políticas, a partir da lista acima.

Claudio Weber Abramo é diretor executivo da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br).


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