São Paulo, terça-feira, 07 de junho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mais cidadania e menos medo

JORGE WERTHEIN

O Mapa da Violência de São Paulo, lançado no mês passado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), revela que parte da sociedade paulista quebrou o padrão de comportamento dominante em relação à violência: em vez de se limitar ao isolamento dos condomínios murados e da segurança dos carros blindados, mobilizou-se, articulou-se com o poder público e conseguiu dar os primeiros passos em direção à redução dos índices estaduais de homicídio, que caíram 12,1% entre 1999 e 2003.


O declínio da violência paulista resulta de uma série de fatores, que, isolados, são incapazes de justificar o fenômeno


A pesquisa demonstra que o declínio da violência paulista resulta de uma série de fatores, que, isolados, são incapazes de justificar o fenômeno. Articulados, revelam a força do conjunto.
Num momento em que o país convive com a banalização da violência e em que o problema ganhou status de "desastre natural", contra o qual só restaria erguer barreiras de contenção, o que mais chama a atenção, em São Paulo, é a mobilização da sociedade civil.
São empresários que criaram o Instituto São Paulo Contra a Violência; estudantes que abraçaram a causa do desarmamento e originaram o Instituto Sou da Paz; ONGs que coordenam projetos de inclusão social; associações de bairro e igrejas que trabalham para suavizar o dia-a-dia de crianças e jovens que vivem em locais dominados pelo crime.
Projetos sociais proliferam pelo Brasil, mas a diferença é que, em São Paulo, algumas dessas iniciativas ultrapassaram o limite da mobilização e associaram-se ao poder público para criar programas que visam reduzir a violência.
Foi assim que surgiu o Disque-Denúncia, iniciativa financiada por empresários e operada pela polícia, que pretende ser uma ferramenta para a resolução de crimes, especialmente seqüestros. Pelas mãos dessa "joint venture do bem" surgiu o Fórum Metropolitano de Segurança Pública, que reúne os 39 prefeitos da Região Metropolitana de São Paulo.
A ação conjunta do Fórum com a instituição empresarial propiciou a criação da chamada Lei Seca, que determina o fechamento dos bares das 23h às 6h, por parte de 16 municípios. A medida, que começou a ser adotada em 2001, apresenta resultados significativos. Nos municípios que a adotaram, a taxa de homicídio caiu 28%, entre 1999 e 2004. Os que não a adotaram apresentaram redução de 19,8%.
No caso da Lei Seca, há outro exemplo da efetividade dos programas sociais associados ao poder público: as cidades que a implantaram e ampararam a medida em programas sociais de inclusão tiveram redução ainda maior nas taxas de assassinato: 38,2%.
Outro exemplo da força da associação entre sociedade e poder público é o Escola da Família, que abre 5.306 escolas estaduais nos finais de semana, período em que os homicídios entre os jovens de 15 a 24 anos aumentam 60%. O programa oferece atividades de cultura, esportes e educação para o trabalho em bairros carentes de estrutura de lazer.
Comparação feita entre dois períodos -setembro de 2002 a fevereiro de 2003 (quando não havia o programa) e setembro de 2004 a fevereiro de 2005 (com escolas abertas)- indica uma redução de 36% no total de ocorrências policiais registradas nas escolas e no seu entorno. A força do programa reside na presença de 42 mil voluntários que trabalham nos fins de semana como monitores das oficinas oferecidas pelas escolas. Os coordenadores do Escola da Família reconhecem que o programa é mais bem-sucedido nos locais em que há participação comunitária.
A boa notícia do Mapa da Violência de São Paulo -a diminuição dos assassinatos- não pode, no entanto, ocultar dados preocupantes revelados pela mesma pesquisa, entre os quais o aumento crescente do uso de armas de fogo no Estado e a vitimização juvenil.
O uso de armas de fogo em assassinatos é crescente em São Paulo mesmo nos anos de declínio das taxas de homicídio. Para dar a dimensão, em 1998, 45% dos assassinatos registrados no Estado foram cometidos com armas de fogo; em 2003, esse percentual saltou para 68,8%. Na Região Metropolitana de Campinas, chegou a 80%.
Já os jovens de 15 a 24 anos são as principais vítimas da violência -e isso é fato tanto em São Paulo como no resto do país. No caso das armas de fogo, 40,1% de todas as mortes juvenis registradas no Estado em 2003 são decorrentes do uso desses instrumentos. Em 1998, essa proporção era de 23,4%. Além disso, um jovem paulista, como indica a pesquisa, tem quatro vezes mais possibilidades de ser assassinado que uma pessoa pertencente a outro grupo etário.
O exemplo dado pela sociedade paulista, associada ao poder público em prol da redução dos homicídios, pode e deve ser replicada para outras situações: há espaço para intensificar ações de desarmamento civil; a lacuna é ainda maior no que diz respeito a iniciativas de inclusão social dos jovens -é preciso criar programas eficazes para tirar essa geração da condição de alvo preferencial da violência.
Bons caminhos são incentivar programas com interface direta no ensino médio e ampliar as portas de entrada no mundo do trabalho. A sociedade paulista está no caminho certo. Só precisa ampliar o seu raio de atuação.

Jorge Werthein 63, sociólogo, doutor em educação pela Universidade de Stanford (EUA), é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil.
@ - werthein@unesco.org.br



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