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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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BORIS FAUSTO

O caso dos Rosenberg

Poucas pessoas das gerações mais novas sabem o que foi o caso dos Rosenberg, cujo desfecho ocorreu há 50 anos. Não será, pois, excessivo relatá-lo brevemente. Julius Rosenberg, casado com Ethel, era um físico nuclear judeu a serviço do governo americano, sendo tanto ele quanto a mulher ligados ao Partido Comunista dos Estados Unidos. Em meados de 1950, ambos foram presos sob a acusação de espionagem, pois teriam entregue, por volta de 1945, desenhos da bomba atômica à União Soviética. A traição teria sido muito grave, a ponto de possibilitar aos russos quebrar o monopólio da fabricação da bomba, até aquela altura detido pelos americanos.
O processo dos Rosenberg se desenrolou acumulando equívocos e demonstrações da fraqueza humana. Mal defendidos, traídos pelas declarações de um irmão de Ethel, que assim salvou sua pele, os Rosenberg foram condenados em 1951 à morte na cadeira elétrica e eletrocutados 26 meses depois, na prisão de Sing Sing, em Nova York.
Hoje, a questão da culpa do casal é menos importante do que as considerações sobre a manipulação desse drama. Em todo caso, são muito fortes os indícios de que Julius forneceu aos soviéticos alguns desenhos sobre a bomba, sem a importância que lhes foi atribuída, isso por convicções ideológicas, no curso da Segunda Guerra Mundial. Seja como for, eles foram vítimas de um jogo de interesses, em pleno curso da Guerra Fria e do macartismo nos Estados Unidos, numa época marcada pela detonação da primeira bomba atômica soviética e pela invasão da Coréia do Sul pela do Norte e pelos chineses. Também pesou, em desfavor do casal, um anti-semitismo ainda vigente em muitos círculos dirigentes.
A grande mobilização mundial em favor dos Rosenberg -até o último momento esperava-se a comutação da pena pelo presidente Eisenhower- foi um capítulo comovente da história dos anos 50. Nem por isso devemos esquecer que a União Soviética orquestrou muitas manifestações, como instrumento propício para denunciar o imperialismo americano. Como muita gente ainda acreditava na "pátria do socialismo", o genocídio praticado por Stálin e seus acólitos podia ser levado à conta de fantasia reacionária.
Nos 50 anos que se seguiram à execução dos Rosenberg, muita coisa mudou nos dois países em confronto. A União Soviética ruiu, a hegemonia americana se concretizou e o próprio confronto deu lugar a algum grau de entendimento. Mas nem por isso, guardadas as proporções de cada caso e a conjuntura histórica de nossos dias, podemos dizer que haja um regime democrático na Rússia, ou que a democracia americana não venha sendo arranhada, a ponto de correr graves riscos.
É só lembrar, de um lado, que, se Putin logrou alcançar algum grau de estabilidade em seu país, reforçou ao mesmo tempo os componentes autoritários de uma democracia de fachada. É só lembrar, de outro lado, a ascensão do neoconservadorismo e do fundamentalismo nos Estados Unidos, sob as bênçãos do presidente Bush.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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