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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

JOSÉ ANÍBAL

Lupa nos cacos do presidente


O governo Lula está para começar. Chega de "saltimbancar", é hora de governar, parece querer dizer o presidente


Otimista incorrigível quando o assunto é Brasil, tenho esperança de que nem tudo esteja errado na frase junina do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o tal espetáculo do crescimento. Afinal, há ingredientes naquelas palavras que, bem catados, podem levar o governo do PT a viver dias melhores. E a maneira com que o ocupante do Planalto se manifesta obriga o brasileiro a saber catar os cacos do presidente -expressão que uso no sentido de improviso, como no teatro, bem entendido.
Na retórica presidencial, a verdade está em cacos. O presidente Lula e seu governo alternam clímax e anticlímax, renegando amanhã o que dizem hoje. O jeito é botar lupa no improviso para tentar decifrá-lo. Há algo mais revelador do que dar biscoito na boquinha de um líder do MST em dia de invasão de prefeitura, tomada de companhia elétrica, sequestro de funcionários, bloqueio de estradas e saques a caminhões? O presidente tirou o chapéu para o descumprimento da lei e botou no lugar o boné do MST. Nenhum pronunciamento lido em ato oficial seria tão transparente e, por isso mesmo, perturbador.
Procurando algum alento para o brasileiro inquieto, vamos nos deter no improviso espetacular sobre o crescimento. Primeiro, a frase. "Esperem, que o mês de julho será o do espetáculo do crescimento. É o mês em que a gente vai começar a fazer a curva que deve ser feita", afirmou o presidente dia 26 último.
É verdade que, à primeira vista, o discurso parece uma bravata, digamos, "gradativa". O Banco Central acaba de rever a previsão de expansão da economia para este ano, que já foi de 2,8% e agora passou a magro 1,5%. O ministro Furlan prevê para os próximos seis meses estagnação nas exportações. Economistas próximos ao governo enxergam risco de recessão até o fim do ano. E o cidadão sente no bolso sua incapacidade de consumir, com a renda achatada em 15% e o desemprego no patamar de 20%. Mas há detalhes promissores nessa peça da oratória presidencial.
Comecemos pelo "esperem". Na oposição, o candidato Lula dizia que tudo resolveria num passe de mágica, com a varinha de condão da "vontade política". Endossava o pensamento do sociólogo Betinho, parecendo concordar que "quem tem fome tem pressa". Chefiava um partido que gritava "Fora FHC" nem bem o então presidente havia sido reeleito em primeiro turno. Agora, a gente sente, Lula está diferente. O uso do verbo esperar e os repetidos pedidos de paciência são a melhor prova disso. Tanto melhor. Podemos esperar que o presidente tenha se conscientizado da complexidade dos problemas nacionais, que pedem soluções consistentes, distantes da retórica de palanque.
"Julho." Vamos imaginar que o uso presidencial do sétimo mês do calendário não foi escolha aleatória. Nessa hipótese, o presidente realmente pensa que é hora de seu governo começar, passados 12,4% do mandato. É ótima notícia. Podemos esperar que o governo pare de se esconder atrás de desculpas inconsistentes sobre a herança que recebeu e trabalhe. Inclusive enquadrando os inativos -os do ministério, claro.
Agora, falemos sobre a expressão "espetáculo do crescimento". Ok, não temos crescimento significativo, mas vamos concordar que não falta espetáculo. Discursos, eventos, encontros, reuniões, visitas, viagens; o governo vive de exposição na mídia. Os programas lançados até agora não têm compromisso com datas e resultados concretos. Seus nomes, porém, são espetaculares. Fome Zero -alguém é contra zerar a fome? Primeiro Emprego -um achado, quase faz a gente esquecer que o que importa mesmo é o décimo milionésimo emprego, promessa do candidato Lula. Quem gosta de espetáculo pode estar certo de que o terá, pelo menos enquanto o governo crer que isso evita tombos maiores na popularidade presidencial.
Passemos o foco para o sujeito da segunda frase: "a gente". Um substantivo coletivo. Bom augúrio vindo de mandatário que pensa inexistir chuva, geada, terremoto, cara feia, Congresso ou Judiciário que sejam obstáculo à sua missão. É indicação de que o sentimento de ser um predestinado, alguém que pode sozinho "salvar este país" está cedendo. Melhor para as instituições, submetidas a solavancos vocabulares que criam na nação um clima de insegurança.
"Vai começar a fazer." Aqui, um predicado que traz a confirmação: o governo Lula está para começar. Chega de "saltimbancar", é hora de governar, parece querer dizer o presidente. Talvez desconfiando de que nenhum governo falastrão passou impune, a exemplo da gestão de Fernando Collor. Essa passagem do discurso presidencial permite imaginar que não vamos mais conviver com frases como "O Brasil saiu da UTI" e "Recebemos uma herança maldita". Haverá menos arrogância e mais ação, eis a promessa implícita.
Analisemos, finalmente, "a curva que deve ser feita". É o trecho que traz a melhor novidade. Havia relativo consenso entre os candidatos no segundo turno da eleição sobre a curva a ser feita. É preciso estimular o crescimento e criar empregos, incentivar exportações e enfrentar a vulnerabilidade externa. É preciso investir com eficiência em ações sociais e combater de fato a violência urbana e o crime organizado. O governo Lula esqueceu seus compromissos ou não sabe como fazê-los virar realidade. Pauta-se pelo imobilismo e ineficácia.
Humor à parte, o país precisa que o governo Lula ache seu rumo e faça logo a curva que deve ser feita. Que os cacos presidenciais e seus efeitos tragam tempos de mais eficiência e menos palanque à administração federal.

José Aníbal, 55, é presidente nacional do PSDB. Foi secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo (governos Covas e Alckmin).




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