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São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

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LUIZ ANTÔNIO DE SOUZA e WALTER PAULO SABELLA

O político, o jurídico e o ambiente


Não se questiona o valor inestimável de Oscar Niemeyer. Sua obra só não pode ser empreendida no local em que se pretende


Há questões políticas e questões jurídicas que determinam posicionamentos de ambas as naturezas. Para o Ministério Público, porém, só um lado importa. O jurídico. Assim determina a Constituição Federal, ao contemplar a instituição com a missão de defender o ordenamento jurídico.
Há uma causa em curso versando sobre a construção do auditório projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera. O Ministério Público adotou uma posição tida por alguns como política. Ledo engano. O posicionamento é estritamente jurídico; isso porque à instituição não cabe defender ideologias, credos ou linhas políticas. O Ministério Público elegeu, sim, o primado da lei como sua bandeira, e é essa a saga que o orienta.
O meio ambiente é, atualmente, um dos bens de maior valor para a pessoa humana. Dia a dia sentimos o seu arrefecimento, a sua agonia, o que indica que a vida pode perecer definitivamente. É urgente a sua preservação.
O parque Ibirapuera figura como o mais importante dos parques paulistanos, especialmente por constituir uma mancha verde em meio ao asfalto e ao concreto. É um refúgio ao alcance da população, sempre estressada. É o bálsamo que embala o paulistano, principalmente nos finais de semana e feriados. O paulistano, ao se dirigir àquele local, quer paz e tranquilidade, quer o verde, quer mais contemplação e menos raciocínio. Quer o verde que já não existe, daí por que é impensável a redução do pouco que resta.
Amparada nessa necessidade e sensível a ela, a Secretaria de Estado da Cultura, em 1992, tombou o parque Ibirapuera. O tombamento visa preservar o bem tombado no estado em que se encontra por ocasião de sua edição, mantendo a situação naquele momento. Permitir modificações não admissíveis, além de desrespeitar o ato de tombamento, o que já é inaceitável, acaba por violentar o próprio bem tombado. Tratando-se de um bem ambiental tombado, a vítima é a própria sociedade.
A resolução de tombamento do parque Ibirapuera traz, no seu limiar, como fundamento principal, a escassez de área verde na capital paulista. Essa situação foi que motivou a sua edição. A preservação da área verde ali existente é que orientou o ato. Tanto é isso verdade que a resolução determina que o tombamento atinja toda a área verde do parque, além das edificações e equipamentos que existiam naquele momento. Nada mais. Em nenhum momento constou que o tombamento incidia sobre o projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer. Não há nenhuma referência ao auditório ou menção de que estaria ressalvada a sua futura construção. Assim é a legislação em questão.
A resolução definiu algumas diretrizes para a preservação do bem tombado. Dentre elas, três se apresentam aptas a resolver a questão aqui analisada, sempre sob o prisma jurídico. Diz o ato de tombamento que não será admitido o aumento de área construída, sob nenhuma forma, nem será admitida a redução das áreas permeáveis existentes (à época) e/ou cobertas com vegetação. Também não admite o emprego, em nenhuma intervenção, de material permanente. A análise jurídica desses tópicos leva a concluir que as condicionantes são cumulativas. Todas devem ser observadas ao mesmo tempo, não se podendo admitir exclusão de nenhuma, nem compensação, porque a legislação não admite troca. O binômio impossibilidade de incremento de área construída e impossibilidade de redução de área verde deve ser o fio condutor da interpretação a ser feita.
No caso do auditório do parque Ibirapuera, a construção implicaria um incremento mínimo de 4.870 m2 de área construída. A previsão seria de um auditório para 950 pessoas, todavia o palco, que teria abertura, permitiria que 30 mil pessoas pudessem vê-lo. Isso sem contar a área externa, que ainda não teria previsão definitiva. Não seria uma simples obra. O incremento de área construída seria muito grande. E a resolução não o admite. A diminuição de área verde seria sensível. E a resolução não a permite. O material que seria utilizado teria natureza permanente. E a resolução o impede. O empreendimento foi aprovado pelos órgãos de proteção ambiental. E o ato de tombamento não o autoriza. O impacto ambiental negativo seria superlativo.
Portanto a construção do auditório seria frontalmente contrária à legislação. Não se questiona o valor inestimável de Oscar Niemeyer. Muito menos o de sua obra. Ela só não pode ser empreendida no local em que se pretende, pois a legislação o impede.
Entre o político, o jurídico e o meio ambiente, o Ministério Público fica com a vida, e como a vida não existe sem respeito ao meio ambiente, a instituição fica com a vida inserida num meio ambiente de qualidade. Todavia, como agora, há que se socorrer do Poder Judiciário para que esses valores sejam respeitados, daí o conteúdo exclusivamente jurídico na ação promovida, a qual tem um objetivo que sobrepaira a qualquer política: fazer com que o primado da lei seja respeitado. Essa a única opção política permitida ao ministério e a seus membros.

Luiz Antônio de Souza é promotor de Justiça do Meio Ambiente designado pelo Conselho Superior do Ministério Público para a ação civil pública no caso do auditório do Ibirapuera. Walter Paulo Sabella é procurador de Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo.




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