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São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Heróis e vilões

RIO DE JANEIRO - O governo norte-americano divulgou retratos falados de como Saddam Hussein estaria disfarçado, tentando evitar a captura ou a morte. É evidente que o primeiro disfarce foi raspar o bigode que o marcava, pintar os cabelos e usar óculos e turbantes espalhafatosos.
Há até mesmo a hipótese radical do travesti, o grande macho do islã vestido de mulher, recurso usado por muitos, tanto na realidade como na ficção. Mussolini vestiu-se com farda do Exército alemão, mas nem assim conseguiu evitar aquela cena final, pendurado numa praça de Milão, de cabeça para baixo.
Antes de Mussolini, outro ditador daquelas plagas também teve de fugir do general Galba, que o sucederia como imperador de Roma. Devemos a Suetônio o terrível relato dos últimos momentos de Nero, a tentativa de envenenar-se, os disfarces, a fuga, a necessidade de apelar a um servo para enterrar o punhal na garganta, ele sozinho não conseguiu se matar.
O diferencial, no caso de Saddam, um tirano tão truculento como Nero, é a coroa do martírio que os muçulmanos de todo o mundo já começam a lhe atribuir. Afinal, ele resistiu ao Grande Satã mesmo sem condições militares e políticas para isso.
Em geral, não aprecio paralelos, mas, já que citei um tirano romano a propósito de um tirano iraquiano, vou em frente. Nero cometeu crimes hediondos, mas a imagem definitiva que temos dele foi feita pelos vencedores, ou seja, pelos cristãos, que ele perseguiu barbaramente. O próprio Suetônio, que não o poupa, alinha muitas de suas qualidades. Fugiu ignobilmente na hora derradeira.
Saddam foi também nefasto e cruel, mas, antes da invasão do Iraque, teve ofertas de asilo vindas de diversos países, inclusive não-muçulmanos. Revelou-se, ao mesmo tempo, um fanfarrão e um resistente. Guardadas as proporções, será uma espécie de Che Guevara para todos os que continuarão lutando contra o Satã de plantão.


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