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CARLOS HEITOR CONY
Heróis e vilões
RIO DE JANEIRO - O governo norte-americano divulgou retratos falados
de como Saddam Hussein estaria disfarçado, tentando evitar a captura
ou a morte. É evidente que o primeiro
disfarce foi raspar o bigode que o
marcava, pintar os cabelos e usar
óculos e turbantes espalhafatosos.
Há até mesmo a hipótese radical do
travesti, o grande macho do islã vestido de mulher, recurso usado por muitos, tanto na realidade como na ficção. Mussolini vestiu-se com farda do
Exército alemão, mas nem assim
conseguiu evitar aquela cena final,
pendurado numa praça de Milão, de
cabeça para baixo.
Antes de Mussolini, outro ditador
daquelas plagas também teve de fugir do general Galba, que o sucederia
como imperador de Roma. Devemos
a Suetônio o terrível relato dos últimos momentos de Nero, a tentativa
de envenenar-se, os disfarces, a fuga,
a necessidade de apelar a um servo
para enterrar o punhal na garganta,
ele sozinho não conseguiu se matar.
O diferencial, no caso de Saddam,
um tirano tão truculento como Nero,
é a coroa do martírio que os muçulmanos de todo o mundo já começam
a lhe atribuir. Afinal, ele resistiu ao
Grande Satã mesmo sem condições
militares e políticas para isso.
Em geral, não aprecio paralelos,
mas, já que citei um tirano romano a
propósito de um tirano iraquiano,
vou em frente. Nero cometeu crimes
hediondos, mas a imagem definitiva
que temos dele foi feita pelos vencedores, ou seja, pelos cristãos, que ele
perseguiu barbaramente. O próprio
Suetônio, que não o poupa, alinha
muitas de suas qualidades. Fugiu ignobilmente na hora derradeira.
Saddam foi também nefasto e cruel,
mas, antes da invasão do Iraque, teve
ofertas de asilo vindas de diversos
países, inclusive não-muçulmanos.
Revelou-se, ao mesmo tempo, um
fanfarrão e um resistente. Guardadas
as proporções, será uma espécie de
Che Guevara para todos os que continuarão lutando contra o Satã de
plantão.
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