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Editoriais
Pobres no chão
Datafolha mostra que existem quase 6 milhões de usuários declarados do transporte aéreo entre os mais pobres
DEZ MESES de crise aérea
entremeados por duas
catástrofes não foram
suficientes para modificar a popularidade do presidente Lula. Um nítido movimento de insatisfação pode ser identificado nos estratos de renda e
escolaridade mais altas. Se o fenômeno terá capacidade de alastrar-se por outros segmentos,
como por vezes acontece, só as
próximas sondagens dirão.
A pesquisa Datafolha publicada anteontem também revela
números que mereceriam apreciação menos festiva do Planalto.
"Pobre não anda de avião." A
insolência de bastidores se tornou um lugar-comum na retórica do círculo lulista em tempos
de descalabro aéreo. O Datafolha
relativiza essa percepção ao fornecer dados sobre os usuários
declarados do transporte por
aviões. Dos entrevistados cuja
renda familiar mensal ultrapassa
R$ 3.800 (7,5% da amostra da
pesquisa), 39% afirmaram que
usam o sistema aeroportuário.
A parcela de usuários cai para
16% na fatia intermediária -renda entre R$ 1.900 e R$ 3.800
(10,9% da amostra)- e se torna
bem menor (4%) entre os mais
pobres -rendimentos inferiores
a R$ 1.900. O que é, em termos
percentuais, uma concentração
evidente de usuários na parcela
mais alta de renda ganha, no entanto, outro contorno se enxergado em termos absolutos.
Como no estrato de renda mais
baixa estão 77,2% dos brasileiros, o número estimado de pessoas que declaram voar de avião
entre os mais pobres é de 5,9 milhões. Entre os mais ricos, há 5,6
milhões de usuários declarados;
e na fatia intermediária de renda
eles montam a 3,3 milhões.
É óbvio que a constatação acima é parcial e insuficiente para
traçar o perfil socioeconômico
dos usuários da aviação no país.
A freqüência com que pessoas de
renda mais alta -muitas a serviço de empresas- utilizam o sistema é maior, o que as torna a
principal fonte de receita das
companhias. Mas a quantidade
bruta de usuários nos outros estratos de rendimento fortalece
algumas percepções acerca de
uma tendência recente.
A procura pelos aviões desde
2003 vem aumentando fortemente em parte devido à entrada
de uma clientela que antes não
tinha recursos para viajar de
avião. A melhora no poder de
compra popular e a ampliação do
crédito permitiram às companhias aéreas disputar passageiros com as viações de ônibus.
A continuidade desse movimento de agregação de novos
clientes é crucial para o desenvolvimento de uma aviação condizente com as dimensões geográficas, demográficas e econômicas do Brasil. Apenas assim o
mercado poderá ganhar a escala
suficiente para que haja, por
exemplo, mais empresas competindo e mais destinos rentáveis.
Por negligência, a gestão Lula
está abortando o que poderia
tornar-se o florescimento de um
sistema aeroportuário adulto. O
sentido das medidas tomadas
pelo governo -necessárias agora, mas que poderiam ter sido
evitadas com planejamento e investimentos- é o de estrangular
a demanda pela aviação.
Como corolário, e para a alegria dos assessores de Lula, pobres vão andar menos de avião.
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