São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2007

Próximo Texto | Índice

Editoriais

Pobres no chão

Datafolha mostra que existem quase 6 milhões de usuários declarados do transporte aéreo entre os mais pobres

DEZ MESES de crise aérea entremeados por duas catástrofes não foram suficientes para modificar a popularidade do presidente Lula. Um nítido movimento de insatisfação pode ser identificado nos estratos de renda e escolaridade mais altas. Se o fenômeno terá capacidade de alastrar-se por outros segmentos, como por vezes acontece, só as próximas sondagens dirão.
A pesquisa Datafolha publicada anteontem também revela números que mereceriam apreciação menos festiva do Planalto.
"Pobre não anda de avião." A insolência de bastidores se tornou um lugar-comum na retórica do círculo lulista em tempos de descalabro aéreo. O Datafolha relativiza essa percepção ao fornecer dados sobre os usuários declarados do transporte por aviões. Dos entrevistados cuja renda familiar mensal ultrapassa R$ 3.800 (7,5% da amostra da pesquisa), 39% afirmaram que usam o sistema aeroportuário.
A parcela de usuários cai para 16% na fatia intermediária -renda entre R$ 1.900 e R$ 3.800 (10,9% da amostra)- e se torna bem menor (4%) entre os mais pobres -rendimentos inferiores a R$ 1.900. O que é, em termos percentuais, uma concentração evidente de usuários na parcela mais alta de renda ganha, no entanto, outro contorno se enxergado em termos absolutos.
Como no estrato de renda mais baixa estão 77,2% dos brasileiros, o número estimado de pessoas que declaram voar de avião entre os mais pobres é de 5,9 milhões. Entre os mais ricos, há 5,6 milhões de usuários declarados; e na fatia intermediária de renda eles montam a 3,3 milhões.
É óbvio que a constatação acima é parcial e insuficiente para traçar o perfil socioeconômico dos usuários da aviação no país. A freqüência com que pessoas de renda mais alta -muitas a serviço de empresas- utilizam o sistema é maior, o que as torna a principal fonte de receita das companhias. Mas a quantidade bruta de usuários nos outros estratos de rendimento fortalece algumas percepções acerca de uma tendência recente.
A procura pelos aviões desde 2003 vem aumentando fortemente em parte devido à entrada de uma clientela que antes não tinha recursos para viajar de avião. A melhora no poder de compra popular e a ampliação do crédito permitiram às companhias aéreas disputar passageiros com as viações de ônibus.
A continuidade desse movimento de agregação de novos clientes é crucial para o desenvolvimento de uma aviação condizente com as dimensões geográficas, demográficas e econômicas do Brasil. Apenas assim o mercado poderá ganhar a escala suficiente para que haja, por exemplo, mais empresas competindo e mais destinos rentáveis.
Por negligência, a gestão Lula está abortando o que poderia tornar-se o florescimento de um sistema aeroportuário adulto. O sentido das medidas tomadas pelo governo -necessárias agora, mas que poderiam ter sido evitadas com planejamento e investimentos- é o de estrangular a demanda pela aviação.
Como corolário, e para a alegria dos assessores de Lula, pobres vão andar menos de avião.


Próximo Texto: Editoriais: Reincidência nos Correios

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.