São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2004

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VINICIUS MOTA

A mensagem de Beslan

O seqüestro das crianças na Rússia foi uma inovação na tecnologia do terrorismo internacional. E pouco importa, aqui, se foi perpetrado por separatistas tchetchenos ou se dele participaram grupos estrangeiros. A cobertura extensiva pelas principais redes de comunicação do planeta dragou a então desconhecida cidade de Beslan -na não mais conhecida Ossétia do Norte- para o centro das preocupações planetárias.
É verdade que o Iraque tem sido uma enorme incubadora de novidades nesse terreno. A tomada assistemática de qualquer estrangeiro como refém e a divulgação das imagens dos assassinatos ritualizados e cruéis de alguns deles são prova disso.
Mas, até o advento de Beslan, não havia notícia de outra ação terrorista deliberadamente planejada e executada para fazer centenas de crianças reféns.
O feito de Osama bin Laden certamente serviu de inspiração. Até o 11 de Setembro, o fato de que aviões de passageiros pudessem se transformar em armas de destruição em massa não estava entre as principais preocupações dos que tomam as decisões mais importantes do planeta.
Daquele dia em diante, o terrorismo mundial rompeu barreiras -que não eram de ordem prática, mas um vestígio de um tempo em que costumava especificar mais seus inimigos- e ampliou seu leque de alvos potenciais.
Desde então, todos somos capazes de imaginar instalações de grandes cidades vulneráveis a ataques razoavelmente organizados. Mas, que fossem bulir com escolas e crianças, disso ainda pouco ou nada se falava até mesmo nos círculos mais informados.
A ação do terrorismo islâmico na Ossétia do Norte rompeu esse tabu. Além disso, provou que uma pequena cidade nos confins da Rússia pode rapidamente se tornar o centro das atenções mundiais. Não é preciso atacar Moscou, Madri, Londres ou Nova York para produzir o espetáculo de horror via satélite desejado pelos que cometem essas atrocidades.
Prevalece nesse episódio a mensagem de que ninguém está a salvo do terrorismo -mesmo se refletirmos que a grande maioria das nações não corre a mínima chance de ser alvo de ações terroristas e que deveria estar preocupada em evitar outras formas de genocídio mais corriqueiras.
O não se acabar de cadáveres infantis desfigurados, de pequenos corpos seminus expostos ao olhar de bilhões de pessoas ao redor do mundo, torna essa mensagem ao mesmo tempo mais duradoura e mais temerosa.
São pais e mães que, ao redor do planeta, mesmo sem estarem relacionados diretamente aos acontecimentos, se colocam no lugar de pais e mães de Beslan; dormem mal sem conseguir se desfazer das imagens fortes que lhe passaram pelos olhos ou têm pesadelos a elas relacionados. São pessoas comuns que de longe acompanham o acontecimento, mas são acometidas de um medo abstrato e do desejo de que perpetradores dessas atrocidades tenham uma morte dolorosa.
A mensagem de Beslan favorece o caldo de cultura de ódio, de medo e de pulsão de morte de que se nutre o mais sanguinário terrorismo internacional. E ajuda a consolidar o ambiente em que atuam governos de "mão firme" como o de George W. Bush e o de Vladimir Putin.


Vinicius Mota é editor de Mundo. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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