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VINICIUS MOTA
A mensagem
de Beslan
O seqüestro das crianças na
Rússia foi uma inovação na tecnologia do terrorismo internacional. E
pouco importa, aqui, se foi perpetrado
por separatistas tchetchenos ou se dele participaram grupos estrangeiros. A
cobertura extensiva pelas principais
redes de comunicação do planeta dragou a então desconhecida cidade de
Beslan -na não mais conhecida Ossétia do Norte- para o centro das
preocupações planetárias.
É verdade que o Iraque tem sido
uma enorme incubadora de novidades nesse terreno. A tomada assistemática de qualquer estrangeiro como
refém e a divulgação das imagens dos
assassinatos ritualizados e cruéis de alguns deles são prova disso.
Mas, até o advento de Beslan, não
havia notícia de outra ação terrorista
deliberadamente planejada e executada para fazer centenas de crianças reféns.
O feito de Osama bin Laden certamente serviu de inspiração. Até o 11 de
Setembro, o fato de que aviões de passageiros pudessem se transformar em
armas de destruição em massa não estava entre as principais preocupações
dos que tomam as decisões mais importantes do planeta.
Daquele dia em diante, o terrorismo
mundial rompeu barreiras -que não
eram de ordem prática, mas um vestígio de um tempo em que costumava
especificar mais seus inimigos- e
ampliou seu leque de alvos potenciais.
Desde então, todos somos capazes
de imaginar instalações de grandes cidades vulneráveis a ataques razoavelmente organizados. Mas, que fossem
bulir com escolas e crianças, disso ainda pouco ou nada se falava até mesmo
nos círculos mais informados.
A ação do terrorismo islâmico na
Ossétia do Norte rompeu esse tabu.
Além disso, provou que uma pequena
cidade nos confins da Rússia pode rapidamente se tornar o centro das atenções mundiais. Não é preciso atacar
Moscou, Madri, Londres ou Nova
York para produzir o espetáculo de
horror via satélite desejado pelos que
cometem essas atrocidades.
Prevalece nesse episódio a mensagem de que ninguém está a salvo do
terrorismo -mesmo se refletirmos
que a grande maioria das nações não
corre a mínima chance de ser alvo de
ações terroristas e que deveria estar
preocupada em evitar outras formas
de genocídio mais corriqueiras.
O não se acabar de cadáveres infantis desfigurados, de pequenos corpos
seminus expostos ao olhar de bilhões
de pessoas ao redor do mundo, torna
essa mensagem ao mesmo tempo
mais duradoura e mais temerosa.
São pais e mães que, ao redor do planeta, mesmo sem estarem relacionados diretamente aos acontecimentos,
se colocam no lugar de pais e mães de
Beslan; dormem mal sem conseguir se
desfazer das imagens fortes que lhe
passaram pelos olhos ou têm pesadelos a elas relacionados. São pessoas comuns que de longe acompanham o
acontecimento, mas são acometidas
de um medo abstrato e do desejo de
que perpetradores dessas atrocidades
tenham uma morte dolorosa.
A mensagem de Beslan favorece o
caldo de cultura de ódio, de medo e de
pulsão de morte de que se nutre o
mais sanguinário terrorismo internacional. E ajuda a consolidar o ambiente em que atuam governos de "mão
firme" como o de George W. Bush e o
de Vladimir Putin.
Vinicius Mota é editor de Mundo. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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