São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A pátria do dia

RIO DE JANEIRO - Dia da Pátria é bom para avaliarmos a pátria do dia, a que temos e merecemos, produto coletivo feito por nós em sucessivos e nem sempre ditosos dias. Que poderia ser pior, poderia. Também poderia ser melhor, bem melhor.
Não sei foi Machado de Assis ou Lima Barreto que, em momento de lucidez extraordinária, disse que o Brasil progride à noite, quando todos estão dormindo e procriando. De dia, os homens e mulheres, brasileiros e brasileiras, como agora é costume citar, governo e oposição atrapalham.
Já tivemos a saúva como inimiga preferencial. De certo modo, melhoramos de adversário, mas pioramos em matéria de vencê-lo. Não sei bem como nos livramos da saúva, se é que nos livramos da praga que arruinou Policarpo Quaresma e quase ia fazendo meu pai perder o dedo ao tentar fabricar um produto químico letal que acabasse com elas na pequena horta que nos dava alface, couve e tomate no Lins de Vasconcelos.
Não parece, mas tudo é Brasil. Não o Brasil oficial, pessoa jurídica que não entendo direito, mas Brasil de cada um de nós, de nossas fomes e misérias, e nem preciso falar em glórias, na verdura de nossas matas e no encanto de nossas cascatas, porque são coisas suficientemente faladas. Prefiro falar da saúva e do FMI, um adversário que já vencemos e outro que ainda nos aporrinha.
Outro dia, achei nos meus guardados a fórmula que o pai bolou para exterminar as saúvas de nossa horta. Além dos nomes complicados dos diversos elementos mortais para a saúva, havia uma dose de paciência e de desvairado otimismo na observação final: "O combate à inimiga deve ser diurno e noturno, bastando um só minuto de trégua para que todo o trabalho de salvação seja inútil".
Não ouso, nem mesmo neste Dia da Pátria, estender o conselho paterno ao governo. Creio que já estamos carecas de saber qual é o adversário e o tamanho de sua peçonha.


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