São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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Marketing político

PASCOAL LUIZ TAMBUCCI


A hostilidade política constitui-se de mecanismos que ultrapassam os meios de comunicação de massa


Na esfera pública, o marketing político tem sido cada vez mais utilizado com o objetivo de construir, fortalecer e manter a imagem de partidos políticos e candidatos, conquistar e preservar a garantia de governabilidade e das relações internacionais, captar recursos e implantar uma idéia.
Há que considerar que, resguardada a singularidade de diferentes regimes políticos, em diferentes culturas e em específicos momentos históricos, o princípio que norteia o marketing é muito antigo, pois a preocupação com o poder sempre levou o homem a buscar meios capazes de eternizar seus feitos.
A imbricação entre poder, comunicação e espaço geopolítico sempre se mostrou uma eficiente estratégia na garantia das relações de dominação. A garantia de governabilidade e da popularidade de Luís 14, que subiu ao trono da França em 1643, foi preservada, durante 72 anos, em razão de um trabalho de realizações sabiamente marcadas pelo incentivo às artes, resultando em uma perfeita associação de imagens criadas ao redor do monarca para perpetuá-lo por meio de selos, moedas e obras.
O princípio do marketing político envolveu o povo americano nas duas Grandes Guerras ao atuar no espaço da ilusão de os americanos marcarem seu lugar como defensores da democracia. Estruturou a economia americana na crise da Grande Depressão, causada pela queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, ao promover o sentido de união constitutivo do povo americano. Garantiu a governabilidade de Franklin Roosevelt durante quatro mandatos e fortaleceu a conquista da hegemonia americana no pós-guerra ao "heroicizar" o líder político e a nação.
Foi a mentalidade de marketing que estruturou a direção argumentativa do Departamento de Imprensa do Ministério da Propaganda da Alemanha, que agiu sob a supervisão do ministro da Propaganda Joseph Goebbels, utilizando o jornalismo com fins propagandístico para promover a imagem Hitler e conquistar adesão ao nazismo.
O discurso nazista, em um primeiro momento, envolveu os alemães na sedução pela sua ilusão de superioridade, para convencê-los da supremacia da raça ariana e, finalmente, levá-los a concluir que os judeus maculavam essa soberania. A eficácia desse discurso pode ser observada pelo sufocamento da contra-reação por parte da comunidade judaica. Para Goebbels, cabia à imprensa informar fatos, e não estimular ação, pois seu papel era ganhar massas.
Tais estratégias, posteriormente, serviram de modelo aos objetivos de campanhas políticas na construção da imagem de líderes em todo o mundo. Nas eleições presidenciais de 1960, o marketing político inscreveu-se na mídia televisiva com debates políticos, inaugurando uma estratégia de marketing político eleitoreiro que garantiu ao candidato John F. Kennedy a vitória sobre seu oponente, Richard Nixon. A imagem de Kennedy como o líder ideal no contexto da Guerra Fria venceu a rejeição do eleitorado em relação a ele ser jovem, católico e descendente de irlandeses.
O marketing político foi uma das mais poderosas estratégias utilizadas pela União Soviética na conquista de seus objetivos. Os mecanismos da desinformação atingiram sucesso devido à ignorância e à inocência política dos cidadãos. A propaganda disfarçada e aberta constituía o aparato necessário para semear confusão no Ocidente, gerar dissensões e desconfiança mútua entre as forças democráticas, minar a confiança em líderes e em suas instituições e deteriorar as relações diplomáticas.
Essa mesma política de ação fortaleceu a liderança americana necessária na Guerra Fria, sustentada no discurso maniqueísta, que definiu para os EUA o lugar do bem e para a União Soviética o do mal. Hoje, esse princípio estrutura a liderança política de George W. Bush, que se serve do mesmo discurso para deflagrar a guerra ao terrorismo.
A hostilidade política, segundo Harold Lasswell, renomado cientista político americano, constitui-se de mecanismos que ultrapassam os meios de comunicação de massa. A verdade é que a hostilidade política se revela como um instrumento da política governamental eficaz ao longo da história, como podem comprovar os mais antigos manuais sobre governo e estratégia político-militar, escritos na China no século 5 a.C., que enfatizam a importância de minar os propósitos do inimigo por intermédio de agentes capazes de criar divisões e vazar informações falsas.
Uma reflexão sobre o funcionamento do marketing político ao longo da história permite-nos entender que a mentalidade de marketing, na realidade, é constitutiva do desejo de poder inerente ao homem. Essa mentalidade é marcada por estratégias que garantem a manutenção do status quo capaz de propiciar ao homem a condição de permanecer no poder ou alcançá-lo. Os efeitos de sentido do marketing político, como os da publicidade, atingem o homem independentemente de sua vontade, pois traduzem seus desejos mais caros.

Pascoal Luiz Tambucci, 51, doutor em ciências da comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, é professor da Escola de Educação Física e Esportes da universidade.



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