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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O risco Paraná

ROBERTO REQUIÃO e ASSIS CORRÊA

Vitoriosa a impressionante mobilização dos paranaenses contra a privatização da Copel (Companhia Paranaense de Energia), poucos percebiam que a maior empresa do Paraná começava o ano de 2003 sob ameaça de desaparecimento. No mesmo formato da privatização do Banestado, a da Copel tinha sido preparada para que a avaliação que precede a transferência do controle acionário fosse reduzida ao mínimo. Enquanto isso, desvios e negociatas enriqueciam alguns, como vem mostrando a CPI da Copel, na Assembléia Legislativa do Paraná.
Assim, negócios completamente insustentáveis do ponto de vista comercial, conduzidos com absoluta irresponsabilidade, prenderam a Copel a três contratos de compra de energia extremamente onerosos. Eles obrigavam a empresa a adquirir 1.300 MW de energia elétrica produzida por terceiros, ainda que precisasse de apenas 100 MW para complementar suas necessidades. Os contratos adotaram o princípio do "take or pay", que manda pagar pela energia mesmo que ela não seja utilizada, e determinaram vigência por 20 anos, embora a previsão de utilização efetiva da energia contratada tivesse como horizonte o ano de 2012.
Estava preparado o cenário para a doação da Copel, com a dilapidação do patrimônio do povo do Paraná e das economias que tantos acionistas, brasileiros e estrangeiros, investiram na empresa. Ainda assim, não houve quem, no mercado, falasse no risco que a desastrosa gestão da Copel no governo anterior representava para todos os seus acionistas, fosse o controlador ou os minoritários.
Tudo isso, no entanto, é passado e assunto de polícia e Justiça.
A suspensão dos pagamentos e a renegociação dos contratos prejudiciais à Copel foram medidas executadas de imediato pelo novo governo. Já em janeiro, começaram as primeiras rodadas de negociações com a Companhia de Interconexão Energética Cien (Endesa), a Itiquira Energética (NGR Energy) e a UEG Araucária (El Paso).
Não por vontade do governo do Paraná ou da Copel, as discussões com a UEG Araucária foram interrompidas e se tornaram litigiosas. Em compensação, hoje podemos saudar os bem-sucedidos desfechos nas negociações com a Usina de Itiquira e, principalmente, com a Cien.
De fato, a distância entre as posições iniciais da Copel e da Cien punha à prova a persistência e a habilidade de negociação das duas partes.


Estava preparado o cenário para a doação da Copel, com a dilapidação do patrimônio do povo do Paraná


Do lado da Copel, além do desembolso desmesurado e injustificável de R$ 750 milhões ao ano, na compra de uma quantidade enorme de energia sem condições de comercialização, dada a forte redução do consumo provocada pelo racionamento de 2001, existiam entraves jurídicos de difícil superação.
Por sua vez, a Cien, que investira recursos lastreados no dólar em obras e contratos, buscava evitar -tanto quanto lhe parecia possível- a redução dos volumes contratados de energia, ao mesmo tempo em que não via como renunciar à proteção cambial garantida pelas cláusulas de dolarização dos preços de venda. Por isso, não era exatamente uma surpresa ouvir relatos preocupados de que as discussões estavam tensas e pareciam mais próximas de resultar em conflito do que em acordo.
Contudo a persistência e, principalmente, a boa vontade dos representantes da Cien e da Copel, a boa fé com que se desenvolveram as negociações foram determinantes para a solução negociada que, ao final, prevaleceu. Mesmo porque a Cien entendia com clareza que não adiantaria manter intactos contratos que levariam o parceiro à falência.
Assim, o dispêndio anual de R$ 750 milhões, que asfixiaria a Copel, ficou, neste ano, reduzido a menos da metade (R$ 312 milhões). Ou seja, o que a Copel deixará de pagar num único ano cobre 15 anos do programa Luz Fraterna, lançado no dia 11/9 e que beneficia 700 mil paranaenses de baixa renda com a isenção do pagamento da conta de luz.
A dolarização das tarifas foi substituída por mecanismos aceitos pela Aneel, permitindo a legalização e o reconhecimento da operação. O total de energia contratado caiu pela metade, de 800 MW para 400 MW. E a vigência dos contratos foi reduzida de 20 para sete anos, valendo até dezembro de 2009.
Em relação à compra de energia da Usina de Itiquira, de propriedade da Tosli Acquisitions, empresa controlada pela norte-americana NGR Energy, o acordo foi também vantajoso. Conseguimos reduzir o preço da energia de Itiquira em cerca de 20%, colocando-o no nível dos preços praticados nos contratos iniciais válidos para a chamada "energia velha", a mais barata disponível no setor elétrico brasileiro.
Por fim, vale lembrar que a atual administração da Copel adotou como meta "ser a melhor empresa do setor elétrico no Brasil até 2006, mantendo o equilíbrio entre os interesses da sociedade e dos acionistas".
Não se nega ao investidor o direito à remuneração de seu investimento, segundo a lei e o direito brasileiros, que, no caso das sociedades de economia mista, implica o equilíbrio entre o interesse público e o dos acionistas (artigo 238 da Lei das Sociedades Anônimas). Por vezes, o acionista imagina que poderia ganhar mais, quando, aparentemente, o interesse público reduz seus dividendos. No entanto ele se beneficia de iniciativas e providências inclusive de natureza política, que não estão ao alcance de outras empresas. Não há o risco Paraná fantasiado pelos críticos do atual governo do Estado.
Risco Paraná nesta administração é, na verdade, uma linha de conduta. A distância mais curta para o desenvolvimento sustentado do nosso Estado e a redução das desigualdades sociais.

Roberto Requião, 62, jornalista e advogado, é o governador do Estado do Paraná. Foi senador pelo PMDB-PR (1995-2002) e governador do Estado de 1991 a 94. Assis Corrêa, 57, advogado, é o diretor Jurídico da Copel.


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