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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Mercosul e a reforma tributária

MISABEL ABREU MACHADO DERZI

Os espertos em integração de mercado esperam ansiosamente pela aprovação da reforma tributária brasileira.
O simpósio "Impostos sobre o Comércio Internacional", realizado em Buenos Aires (17 a 19/9/03), presidido pelo professor italiano Victor Uckmar, visou fixar as bases jurídicas para uma aproximação mais concreta entre o Mercosul (em especial Argentina e Brasil) e a Itália e reuniu representantes de toda a América Latina. Todos os textos dos palestrantes já estão publicados pela editora Ábaco-Depalma (de Buenos Aires), mas não vou recomendar a ninguém a leitura prioritária de algum deles -nem do meu, sobre tributação internacional das rendas de capital.
O texto que interessa excepcionalmente, na hora presente, e deveria ser consultado por todos, é o do professor argentino, Hugo G. Cano, consultor do BID, OEA, Ciat e FMI, que examinou a integração européia e, após análise de cada um dos sistemas tributários dos países-membros do Mercosul, concluiu pela urgente necessidade de reforma do sistema brasileiro, nos seguintes pontos: 1) eliminação dos impostos e contribuições cumulativos; 2) adoção de uma política de exportação com base no princípio do destino (exoneração total das exportações, de forma direta ou indireta, e consequente oneração dos importados na mesma proporção em que são tributados os nacionais; 3) e, sobretudo, fim da guerra fiscal entre os Estados brasileiros, com o que se tornam incontroláveis os incentivos fiscais.


Todos os que não adotam uma visão tendenciosa sabem que o fim da guerra fiscal não beneficia apenas poucos Estados do Sudeste
De fato, movidos todos nós pela pressão norte-americana em direção à Alca, é de fundamental importância a união latino-americana, em especial o fortalecimento do Mercosul. Como promover a integração regional, se os Estados brasileiros fazem guerra fiscal interna, fratricida e suicida, e desintegram perigosamente o próprio mercado nacional, se alguns governadores e prefeitos têm visão de curtíssimo prazo e se os próprios observadores brasileiros se perdem em críticas secundárias e paroquiais?
A reforma tributária deve preparar o Brasil para a mundialização, dando ao país os instrumentos necessários de proteção -tributação equânime dos importados; fortalecimento da integração nacional com o fim da guerra fiscal; uniformização da legislação do ICMS; não-cumulatividade ampla dos tributos incidentes sobre o consumo; capitalização das empresas nacionais com uma política de desoneração dos investimentos...
Todos aqueles que não adotam uma visão tendenciosa sabem que o fim da guerra fiscal não beneficia apenas poucos Estados da região Sudeste, como se divulga imprudentemente. Certos governadores de Estados mais pobres estão aprisionados à demanda empresarial de incessantes benefícios, obrigam-se a mais incentivos autofágicos, vêm diminuir cada vez mais a base tributária do ICMS e, em contrapartida, para manter a arrecadação, castigam o seu povo com alíquotas altíssimas sobre as operações com alimentos, energia elétrica, combustíveis e comunicações.
Até quando?
Sabem todos que os Estados mais ricos (em especial se unidos) venceriam qualquer guerra fiscal com os demais, se nela entrassem agressivamente. Sabem todos que o Supremo Tribunal Federal não é instância própria para solucionar uma guerra generalizada e desintegradora da Federação.
A reforma é necessária e urgente. Representa uma vitória, no momento, da Câmara dos Deputados. Comandada pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) e apoiada por líderes de vários partidos, mesmo da oposição -não importam os defeitos que ainda tenha, a serem corrigidos no Senado-, ela prepara a integração do Mercosul e da América Latina. No dizer do mestre Souto Maior Borges, que o Brasil inteiro reverencia, essa deveria ser a preocupação maior, embora esse seja o ponto mais negligenciado pelos críticos da reforma.
No Senado, que não é a casa de governadores nem a casa dos Estados isolados, mas a casa da Federação e do povo brasileiros, espera-se o fortalecimento dos resultados já obtidos, com maior rapidez. Certamente a Câmara Alta poderá garantir a integração do mercado brasileiro, fecundar a harmonia federativa e lançar o Brasil na liderança da amizade e da força latino-americanas.

Misabel Abreu Machado Derzi, advogada, professora de direito financeiro e tributário da UFMG, é presidente da Abradt (Associação Brasileira de Direito Tributário).


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