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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Um projeto exemplar para o Brasil

Toda vez que o IBGE publica algum número sobre educação, recebo um telefonema da minha amiga Joaninha, velha companheira de escola, dos bons tempos de ginásio.
Desta vez, seus comentários foram sobre os dados de educação publicados pelo IBGE na última quarta-feira. Os números que mais a chocaram foram os do analfabetismo. Depois de lecionar por mais de 40 anos, a Joaninha está inconformada com o fato de o Brasil ter hoje -em pleno século 21- 24 milhões de pessoas não-alfabetizadas.
Ponderei que a situação melhorou, pois a mesma publicação dá conta de que quase 100% das nossas crianças estão na escola. Foi um avanço. O próprio analfabetismo baixou muito em termos relativos. Nos tempos em que a Joaninha lecionava, a taxa era superior a 25% da população escolarizável. Hoje é a metade disso.
Mas a Joaninha não liga para percentuais. Vai sempre pelos números absolutos. E não aceita o fato de termos mais analfabetos hoje do que no seu tempo de professora: 24 milhões!
De fato, é muita coisa para um país que precisa crescer competindo com leões e tigres que não nos dão trégua e inovam a cada dia, não só na produção, como também nos serviços e na comercialização. É graças à boa educação que países da Europa do leste e da Ásia vêm atraindo empresas e empregos.
Usando os dados que leu nos jornais, a amiga contra-argumentou, dizendo que, na faixa de 4 a 7 anos, ainda há 31% das crianças fora da escola. Ou seja, a entrada é tardia e a saída é precoce. Sim, porque, na mesma linha, ela lembrou que a proporção dos que se diplomam no ensino fundamental ainda é irrisória, e a qualidade do ensino proporcionada é lamentável, pois muitos são os adolescentes que, depois de oito anos de escola, não conseguem entender o que leram e muito menos fazer as quatro operações aritméticas com desenvoltura.
Quando se adentra no terreno da qualidade, a Joaninha tem razão. Mas nada está perdido. O programa Alfabetização Solidária, por exemplo, conseguiu resultados espetaculares com crianças, adolescentes e adultos dos municípios mais pobres do Brasil. E em pouco tempo.
Nele juntaram-se duas qualidades importantes para qualquer programa social: denodo e simplicidade. Isso vale mais do que burocracia e propaganda. Em apenas seis anos (1997 a 2003), foram atendidos 4 milhões de brasileiros, em 2.010 municípios, com a ajuda de 135 parceiros e de 219 instituições de ensino -tudo feito sem alarde e sem marketing.
Os reflexos da alfabetização foram muito além do âmbito educacional. É claro, pois a pessoa educada tem mais saúde e mais visão e cria melhor os filhos. Segundo os dados do próprio programa, 99% dos municípios atingidos registraram uma substancial melhoria na qualidade de vida da população.
A Joaninha estava a par de tudo isso. Sempre gostou de coisas simples e que valorizam o contato direto entre professores e alunos. Isso é essencial. O resto é propaganda. Por essa razão, compartilho sua opinião: o Brasil deveria continuar nessa linha de eficiência e austeridade em lugar de inventar novidades que cativam a mídia e encantam os demagogos, mas, infelizmente, desolam os cidadãos.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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