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A barbárie banalizada
MÁRIO MAGALHÃES
Rio de Janeiro - A barra pesada andava mais pesada do que nunca na favela Dona Marta em 1994. Certo dia,
temendo que respingasse bala nos alunos, as escolas vizinhas, algumas da
elite educacional carioca, suspenderam as aulas por causa de um tiroteio
entre traficantes do morro.
No dia seguinte ao susto, uma garotinha de 4 anos de idade encolerizou-se ao saber que, por precaução, ficaria
em casa naquela tarde. "Pai, foi só um
tiroteio", argumentou. Quer dizer:
acontece sempre, se acostumou. Pedido negado, não foi à aula.
Uma criança banalizar a violência
urbana é um sintoma social incômodo. Cabe ensiná-la a avaliar o perigo e
a se proteger. Pra começo de conversa.
Quando o governador do Estado
brada que uma chacina de seis homens não é chacina e que, por serem
"bandidos procurados pela polícia, isso é normal", é outro papo. Trata-se
da capitulação -quem sabe, involuntário incentivo- às trevas.
"É diferente quando morre uma pessoa de bem, um trabalhador", disse
Garotinho, em seguida à matança de
sexta-feira na favela Nova Holanda,
numa invasão de traficantes.
Quatro dos mortos não tinham antecedentes criminais. Numa questão
de vida e morte, Garotinho condena
quem não pode se defender.
E se fossem da bandidagem? O massacre seria legítimo? O que o governador vê como normal não o é. Guerra
de traficantes não liquida o narcotráfico, como comprovou tragicamente o
cabo PM abatido ontem na região da
Nova Holanda, agora ocupada pela
polícia.
Em 1998, num livro sobre segurança
pública, Garotinho pregava que "um
governo deve atuar em favor da paz e
da civilidade, e não da guerra e da
barbárie". O que mudou: o conceito de
barbárie ou o governador?
Quando uma garotinha diz "foi só
um tiroteio", deve-se temer por ela,
que banaliza a violência e ignora os
riscos. Quando Garotinho diz o que
disse, deve-se temer por novas mortes
"normais", banalizadas por quem deveria ser o primeiro a combatê-las.
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