São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2000


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A barbárie banalizada

MÁRIO MAGALHÃES

Rio de Janeiro - A barra pesada andava mais pesada do que nunca na favela Dona Marta em 1994. Certo dia, temendo que respingasse bala nos alunos, as escolas vizinhas, algumas da elite educacional carioca, suspenderam as aulas por causa de um tiroteio entre traficantes do morro.
No dia seguinte ao susto, uma garotinha de 4 anos de idade encolerizou-se ao saber que, por precaução, ficaria em casa naquela tarde. "Pai, foi só um tiroteio", argumentou. Quer dizer: acontece sempre, se acostumou. Pedido negado, não foi à aula.
Uma criança banalizar a violência urbana é um sintoma social incômodo. Cabe ensiná-la a avaliar o perigo e a se proteger. Pra começo de conversa.
Quando o governador do Estado brada que uma chacina de seis homens não é chacina e que, por serem "bandidos procurados pela polícia, isso é normal", é outro papo. Trata-se da capitulação -quem sabe, involuntário incentivo- às trevas.
"É diferente quando morre uma pessoa de bem, um trabalhador", disse Garotinho, em seguida à matança de sexta-feira na favela Nova Holanda, numa invasão de traficantes.
Quatro dos mortos não tinham antecedentes criminais. Numa questão de vida e morte, Garotinho condena quem não pode se defender.
E se fossem da bandidagem? O massacre seria legítimo? O que o governador vê como normal não o é. Guerra de traficantes não liquida o narcotráfico, como comprovou tragicamente o cabo PM abatido ontem na região da Nova Holanda, agora ocupada pela polícia.
Em 1998, num livro sobre segurança pública, Garotinho pregava que "um governo deve atuar em favor da paz e da civilidade, e não da guerra e da barbárie". O que mudou: o conceito de barbárie ou o governador?
Quando uma garotinha diz "foi só um tiroteio", deve-se temer por ela, que banaliza a violência e ignora os riscos. Quando Garotinho diz o que disse, deve-se temer por novas mortes "normais", banalizadas por quem deveria ser o primeiro a combatê-las.


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