São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

E a arquitetura?


A arquitetura brasileira não chega a ser medíocre: é mediana


DÉCIO PIGNATARI

Apenas tangencialmente estou entrando nessa polêmica entre Mario Garnero e Pedro Cury, presidente do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) -departamento de São Paulo-, a propósito do São Paulo Tower, onde se tocou em tudo, do desemprego à identidade nacional -mas onde faltou arquitetura. Lembra-me um conto de Hemingway, que trata de uma reunião onde se fala de tudo, menos da razão e da causa subjacentes (naquela situação): o dinheiro. Assim, nesta "reunião arquitetônica", o assunto subjacente é o arquidinheiro.
É natural que um diretor de entidade de classe defenda e exalte as realizações de seu órgão e de associados; é compreensível que um empresário busque produzir um rombo na muralha de interesses ideológicos que se opõe ao seu empreendimento, que vai movimentar cerca de 1 bilhão de dólares em alguns anos, forçando, com estardalhaço monumental, a entrada de São Paulo e do Brasil no universo da globalização, que tanto temor e ódio provoca em sinceros socionacionalistas, como em socionacionalóides.
Não sou arquiteto, sou (desculpe a esdrúxula classificação) um professor-semioticista do design e da arquitetura -e esse foi o tema de minha tese de livre-docência, em 1979, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde lecionei por duas décadas (minha primeira aula foi sobre Robert Venturi). Considero-me, hoje, um constante batalhador-perdedor e único sócio de uma associação inexistente: a Associação dos Críticos de Arquitetura e Design do Brasil.
O que me espantou e espanta, até hoje, desde os tempos de minha amizade com Villanova Artigas e Cláudio Araújo (IAB-RS) até a minha atuação atual como orientador acadêmico, é um fenômeno que eu chamaria de empedernimento do arquiteto e do designer brasileiro, especialmente os atuantes no âmbito universitário.
Os pioneiros da arquitetura moderna tornaram-se inimigos da renovação, ficaram emparedados no concreto-e-vidro, enquanto a nova arquitetura, pós-moderna e pós-pós-moderna, mudava a paisagem urbana, de Paris a Hong Kong, de Tóquio a Bilbao.
Para os nossos governantes ignorantes, só há um arquiteto, Oscar Niemeyer, criador historicamente importante, mas que não tem a mínima idéia, por exemplo, do nervuramento eletroeletrônico de um edifício.
Há poucos anos, em Buenos Aires, houve um raro encontro de críticos de arquitetura de todo o mundo. Afora os relatos de praxe, o Brasil não tinha nada a dizer no capítulo, por uma razão única: não há crítica de arquitetura no Brasil. Por quê? Por uma lei pétrea, não escrita, que vigora nesse universo, especialmente no mundo acadêmico: a crítica de arquitetura prejudica o mercado. E a outra lei, que deriva dessa: não se devem promover concursos internacionais de arquitetura no Brasil.
Do mercado à cultura, o pulo é fácil: não se ensina arquitetura oriental nas escolas brasileiras. E mais: temos tecnologia metálica (ferrosos e não-ferrosos) e de conforto ambiental de ponta -mas os nossos arquitetos a ignoram. Edifícios pesadões de concreto: é o que sabemos fazer. Sem a graça de uma simples capela católica de Tadao Ando, situada nos fundos de um hotel.
A arquitetura brasileira (refiro-me àquela minimamente criativa) não chega a ser medíocre: é mediana. Por que agora se espantam que uma fantasiosa e fantástica Borobudur possa vir a ser implantada em São Paulo? A última obra positiva que conseguiram realizar foi a do metrô de São Paulo. Nada fizeram pela renovação da arquitetura, nos últimos 30 anos -e agora se vêem ameaçados no seu ponto de honra: o mercado. Melhor dizendo: a reserva de mercado.
O futebol brasileiro continua de primeiro nível porque soube enfrentar as comparações, as inovações e os embates de todos os futebóis do mundo. Mirem-se no seu exemplo, meus caros arquitetos, designers e engenheiros.


Décio Pignatari, 72, é poeta, escritor, ensaísta e tradutor. Foi professor de semiótica do design e da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) e do curso de pós-graduação de comunicação e semiótica da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica). É autor de, entre outros, "Poesia, Pois É, Poesia" (Ed. Brasiliense) e "Panteros" (Ed. 34).



Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Alex Periscinoto: Meu cunhado e a verba de comunicação

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.