São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2000


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Meu cunhado e a verba de comunicação


A história pessoal do presidente não autoriza imaginar que tenha pretensão de esbanjar


ALEX PERISCINOTO

Meu cunhado perguntou outro dia se era verdade o que tinha visto nos jornais. Que o governo federal vai gastar, em 2000, por volta de R$ 650 milhões para promover a imagem do governo. "Imagina só", disse ele, "eu, com meu dinheiro, estou ajudando a pagar a maior conta publicitária do país, maior que a da Coca-Cola! Um escândalo!".
Levei um susto. Como ele sabe que trabalho com publicidade, pediu que lhe explicasse tintim por tintim tal absurdo.
Esse negócio de propaganda é mesmo difícil de entender. No início de minha vida profissional, lá se vão alguns anos, fui uma vez interpelado por minha sogra. Ela me via chegando com uma pasta tipo 007 todo dia, que eu nunca abria para tirar alguma coisa. "Você não deve ser muito bom na sua profissão", disse ela. "Você nunca traz remédios para casa!"
Trabalhar em propaganda, para ela, significava ser propagandista de remédios, portanto eu deveria trazer amostra grátis para a família!
A desinformação ainda prolifera. E pode levar a reações precipitadas, como a de meu cunhado.
Antes que ele tirasse ilações mais espantosas que a premissa, expliquei que comparar verba publicitária de governo com verba publicitária de empresas privadas é o mesmo que, em matemática, somar alho com cebola.
Governo não é uma empresa, são dezenas. Muitas delas, como o grupo Petrobras, que fatura quase R$ 30 bilhões (ou seja, três vezes mais do que a Volkswagen, maior empresa privada do Brasil), o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, os Correios, para ficarmos em apenas alguns exemplos, competem com empresas privadas. Anunciam porque isso faz parte do jogo da concorrência. E não gastam dinheiro dos contribuintes, e sim parte do que elas próprias faturaram.
Além das empresas estatais, existem também os ministérios. Eles não fazem "propaganda", porque não têm concorrentes. Investem em comunicação publicando editais, avisos diversos, informando a população. Nenhum tostão é empregado para fazer a "imagem" do presidente da República.
Em outras palavras, é o seguinte: o dinheiro é destinado aos ministérios no valor de R$ 96,6 milhões; para as empresas estatais, no valor de R$ 572,5 milhões. Para dar um exemplo, o Ministério da Saúde investe em comunicação para divulgar as suas iniciativas, tais como vacinação, prevenção de doenças endêmicas e outras, como Aids e câncer, além de incentivar a compra dos remédios genéricos; o Ministério da Educação, para estimular a matrícula de crianças em idade escolar, para estimular a reciclagem de livros, para divulgar o censo escolar; o Ministério da Reforma Agrária divulga a quantidade de terras que o governo distribui e as linhas de financiamento para as famílias assentadas; o Ministério da Previdência investe para divulgar os benefícios do trabalhador, tais como aposentadoria, licenças médicas etc.
No caso da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, dos Correios e de outras estatais, elas, como já disse, competem no mercado, portanto anunciam produtos, tais como postos de gasolina, óleos lubrificantes, combustíveis, lojas de conveniência, conta corrente, caderneta de poupança, cartões de crédito, seguros, loterias, financiamentos de casa própria, serviços de postagem, Sedex, reembolso postal etc. etc. etc.
Como se não bastasse, dessa verba de comunicação das empresas estatais ainda são destinados recursos para promoções esportivas e culturais, diferentemente das empresas privadas, que têm verba específica para essas ações.
Se você comparar isso tudo, somado com os demais segmentos que investem em comunicação, vai perceber que, em 1999, o segmento do varejo investiu R$ 3,2 bilhões; o imobiliário, R$ 690,5 milhões; o de veículos, peças e acessórios, R$ 487,3 milhões; o de higiene pessoal e beleza, R$ 318 milhões. Nessa comparação o governo (excluídas as estatais) está colocado como o 18º segmento.
A história pessoal do presidente da República, sempre atento aos gastos públicos, não autoriza nem sequer imaginar que ele tenha pretensões de esbanjar em comunicação (em que se inclui publicidade) para cultuar a sua personalidade ou gastar dinheiro em qualquer coisa que não seja essencial.
Meu cunhado ficou tranquilo. Eu também.


Alex Periscinoto, publicitário, é secretário de Publicidade Institucional da Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República.



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