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São Paulo, sábado, 08 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A gestão Lula segue a política econômica de FHC?

NÃO

Crescimento econômico e inclusão social

LUIZ GUILHERME PIVA

O principal objetivo da política econômica do governo Lula é a retomada sustentada do crescimento, com distribuição de renda. Em lugar da gestão econômica voltada para si mesma do governo anterior -refém das armadilhas monetária, fiscal e cambial montadas ao longo dos dois mandatos, nos quais o desenvolvimento e a inclusão social não estiveram na pauta econômica-, a centralidade agora é a dimensão social: geração de emprego e renda, justiça distributiva e políticas sociais amplas e eficientes, de forma a integrar à condição de cidadãos dignos milhões de brasileiros hoje excluídos dos mercados de produção, renda e consumo e da participação nas esferas públicas de decisão. Essa mudança requer reformas estruturais, que estão sendo debatidas, formatadas e encaminhadas. Mas requer também responsabilidade na gestão econômica, tal como está sendo feito. Isso por três motivos. Primeiro, porque é preciso consolidar a estabilidade monetária, reduzindo os atuais índices inflacionários de forma duradoura. Segundo, porque a herança do governo anterior é perversa: inflação anual, no atacado, de quase 30% e, no varejo, de mais de 12%, dívida líquida de quase 60% do PIB, instabilidade cambial e retração do crédito externo ao que se soma o nervosismo político e econômico do quadro internacional. E terceiro, porque o equilíbrio macroeconômico é condição à instauração do círculo virtuoso de crescimento e inclusão social para cujo advento o governo foi eleito. Mudança e consistência econômica não são incompatíveis. Antes, alimentam-se mutuamente: assim como a estabilidade propicia bases para o crescimento, este gera recursos e mecanismos que consolidam aquela. Na área fiscal, por exemplo, é necessário prosseguir no esforço de ajuste ora em curso, de forma a gerar superávits primários capazes de inaugurar uma trajetória declinante da relação entre dívida e PIB. Mas é preciso, conjugadamente, aperfeiçoar a arrecadação tributária, combater a sonegação e aprimorar a qualidade tanto do gasto quanto da receita pública. O governo já iniciou o debate da reforma tributária com o objetivo de aprimorar os tributos sobre a produção e de estimular o aumento da produtividade e da competitividade, assim como de melhorar a distribuição de renda e reduzir as desigualdades regionais, com fortalecimento do pacto federativo. Do lado das despesas, almeja-se a melhoria do gasto público com a integração das diversas políticas, da sua focalização nos segmentos pobres e da avaliação de seu retorno social. Além de ganho social, haverá economia de recursos para o reforço da própria atividade social do governo, hoje comprimida por restrições orçamentárias. De igual importância e urgência é a reforma previdenciária, que, além dos aspectos de justiça social e de sustentação intertemporal do sistema, tem grande impacto fiscal. Ela almeja amplificar a geração de poupança e de recursos capazes de mobilizar investimentos. Seja diretamente seja por fundos públicos, mistos e privados, os recursos do sistema previdenciário podem fornecer alavancas para o mercado de capitais e para os investimentos produtivos. Quanto aos investimentos públicos, que têm entre seus alvos a criação de bases para a ampliação dos investimentos diretos privados, internos e externos, é possível melhorar o uso dos recursos orçamentários e daqueles alocados em fundos como os regionais, os setoriais, os de poupança compulsória dos trabalhadores e outros, com ação ativa dos bancos oficiais de crédito e de fomento. O setor financeiro privado também deve ter aprimorado seu papel no estímulo à produção e ao crescimento. Há a necessidade de diminuir os riscos contratuais de maneira a reduzir os spreads bancários, elevando a oferta de crédito. Uma série de reformas vem sendo desenhada para modernizar as relações negociais e as instituições e normas que regem os mercados. A meta é obter maior segurança jurídica dos contratos -o aperfeiçoamento do mercado de seguros, do financiamento imobiliário, do mercado de capitais e da lei de falências são pontos importantes dessa pauta. Voltadas à ampliação e à dinamização do crédito, as cooperativas de crédito são alvo imediato da atuação do governo. Já estão em funcionamento grupos de trabalho que estão elaborando medidas de disseminação e de fortalecimento do sistema. Além de impulsionar o crescimento, as cooperativas propiciam a parcelas da população hoje distantes dos serviços bancários e do crédito acesso a recursos de baixo custo para seus empreendimentos por meio de mecanismos como equalização de juros, fundos de aval, seguros de crédito e parcerias com instituições financeiras. A austeridade da gestão econômica nesse primeiro momento é mostra de que o governo sabe quais são seus objetivos e os requisitos e mudanças necessários para alcançá-los. Diferentemente das ações meramente reativas do governo anterior. A política monetária, por exemplo, hoje se guia para a combinação favorável entre metas de inflação e espaço para o crescimento, não como resposta encurralada à fragilidade externa. Não é difícil perceber isso, e os atores e analistas já entenderam que a segurança e a ousadia são os pilares da confiança com que o governo Lula está mudando o Brasil.


Luiz Guilherme Piva, 40, economista e cientista político, é assessor econômico do Ministério da Fazenda.

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