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São Paulo, sábado, 08 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A gestão Lula segue a política econômica de FHC?

SIM

O Sol ainda gira ao redor da Terra

DOMÉRIO NASSAR DE OLIVEIRA

Pelo andar da carruagem, tudo indica que, para além das precauções transitórias do novo governo, continuaremos a ser constrangidos por um mito semelhante àquele que dá título a este artigo.
Reinstalou-se a crença de que a contenção da inflação só depende do controle da moeda emitida pelo governo e da elevação de juros. A política de "metas inflacionárias", versão mais recente dessa velha sabedoria, poderá vir a cristalizar-se na autonomia que também se defende para o Banco Central. Paralela à busca de superávits crescentes nas contas públicas, essa política martelará altas taxas de juros contra qualquer intempérie. Na contramão da carência financeira de empresas e de trabalhadores, às voltas com dívidas, baixo faturamento, baixos salários e desemprego, será, entretanto, justificada como expediente primordial e certeiro para cortar o oxigênio dos preços.
Por outro lado, já se consolidaram no governo argumentos que relegam o crescimento condicionado à realização das reformas conhecidas, da recuperação de "poupança" interna ou externa e de ajustes microeconômicos pontuais, que acabam por desviar a atenção do problema maior da gestão econômica no Brasil. Adotaram-se, enfim, com ênfase suspeita, muitos condimentos da mesma receita que há anos o liberalismo nos vem preconizando sem sucesso.
Onde estaria, então, o maior problema da economia brasileira? Não parece estar na ausência de boas intenções dos que nos governam. Está, sobretudo, na ausência de pensamento e de formulações econômicas criativas que possam desmistificar as idéias correntes, afuniladas pelo FMI e pela mídia adjacente ao sistema financeiro. Está também na inevitável ingenuidade com que, por falta de alternativas, como presas do vazio, são acalentados a servir aos mesmos interesses de sempre.
Submetem-se, assim, a uma política de metas inflacionárias que, elevando os juros em geral para toda a economia, produz uma contradição fácil de visualizar. Pois se, por um lado, cerceia a circulação da moeda retida nos depósitos remunerados, represando seu desaguamento especulativo, por outro, também subtrai expansão da oferta de bens e serviços estratégicos. Como bem exemplificam a atual escassez de álcool e o "apagão" em passado recente, não se pode pretender que haja maior expansão da oferta de energia sob o peso de juros que afugentam a iniciativa privada e esterilizam recursos orçamentários. Será tão difícil imaginar que juros altos também desembocam na falta de produtos, com consequente e natural elevação de seus preços? E aí se inibem exportações necessárias ou se retorce a consciência para justificar ainda maior elevação das taxas de juros? Onde, afinal, vamos parar? Pode ser essa a proposta de um governo que pretende redimir "ofendidos e humilhados"?
Já se perguntou se alguém "teria receita melhor". Teria, sim. Desde que se esteja aberto a uma reflexão crítica consistente que possa indicar novos caminhos. O Banco do Brasil tem comprovado ser possível fazer fomento e obter lucro ao mesmo tempo. Vem obtendo sucesso com a política de equalização de juros, em que o Tesouro paga parte das taxas para torná-las viáveis aos tomadores de empréstimos da agricultura e do agronegócio, do Proex e de pequenas e médias empresas. Política que pode ser mais bem-acabada com o fortalecimento de fundos de aval para que esse crédito possa fluir mais facilmente, superando restrições de risco e garantia.
Essa política, entretanto, vem sendo feita de forma muito tímida, com alcance absolutamente limitado pela escassez de recursos orçamentários disponíveis para a equalização das taxas. Mas não precisaria haver essa restrição. Se o governo se desvencilhasse da carapuça liberal, que coloca o carro do Orçamento na frente dos bois da atividade a se financiar, poderia inverter a ordem dos fatores e ampliar em muito o pagamento dessa equalização pelo Tesouro por meio de títulos de sua própria emissão.
Produto, emprego e a consequente extensão da base de arrecadação tributária gerados à frente pagariam com folga a emissão prévia dessa dívida pública que bancou parte dos juros, viabilizando a concessão do empréstimo original. As atividades econômicas a serem estimuladas estariam livres da restrição orçamentária, e o Brasil poderia reencontrar-se com seu potencial produtivo por meio de uma ocupação competitiva.
Será patético, porém, se, à semelhança da crença medieval de que o Sol girava em torno da Terra, o novo governo, eleito com quase 53 milhões de votos para mudar o quadro econômico, continuar acreditando que é a economia que gira em torno do Orçamento fiscal e não o Orçamento que deve girar consistentemente em função da expansão do produto. Que pena...


Domério Nassar de Oliveira, 46, é economista e empresário. Foi diretor-financeiro da Prodam-SP (2001-02).


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