|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A gestão Lula segue a política econômica de FHC?
SIM
O Sol ainda gira ao redor da Terra
DOMÉRIO NASSAR DE OLIVEIRA
Pelo andar da carruagem, tudo
indica que, para além das precauções transitórias do novo governo, continuaremos a ser constrangidos por um
mito semelhante àquele que dá título a
este artigo.
Reinstalou-se a crença de que a contenção da inflação só depende do controle da moeda emitida pelo governo e
da elevação de juros. A política de "metas inflacionárias", versão mais recente
dessa velha sabedoria, poderá vir a cristalizar-se na autonomia que também se
defende para o Banco Central. Paralela à
busca de superávits crescentes nas contas públicas, essa política martelará altas
taxas de juros contra qualquer intempérie. Na contramão da carência financeira de empresas e de trabalhadores, às
voltas com dívidas, baixo faturamento,
baixos salários e desemprego, será, entretanto, justificada como expediente
primordial e certeiro para cortar o oxigênio dos preços.
Por outro lado, já se consolidaram no
governo argumentos que relegam o
crescimento condicionado à realização
das reformas conhecidas, da recuperação de "poupança" interna ou externa e
de ajustes microeconômicos pontuais,
que acabam por desviar a atenção do
problema maior da gestão econômica
no Brasil. Adotaram-se, enfim, com ênfase suspeita, muitos condimentos da
mesma receita que há anos o liberalismo nos vem preconizando sem sucesso.
Onde estaria, então, o maior problema da economia brasileira? Não parece
estar na ausência de boas intenções dos
que nos governam. Está, sobretudo, na
ausência de pensamento e de formulações econômicas criativas que possam
desmistificar as idéias correntes, afuniladas pelo FMI e pela mídia adjacente ao
sistema financeiro. Está também na inevitável ingenuidade com que, por falta
de alternativas, como presas do vazio,
são acalentados a servir aos mesmos interesses de sempre.
Submetem-se, assim, a uma política
de metas inflacionárias que, elevando os
juros em geral para toda a economia,
produz uma contradição fácil de visualizar. Pois se, por um lado, cerceia a circulação da moeda retida nos depósitos
remunerados, represando seu desaguamento especulativo, por outro, também
subtrai expansão da oferta de bens e serviços estratégicos. Como bem exemplificam a atual escassez de álcool e o "apagão" em passado recente, não se pode
pretender que haja maior expansão da
oferta de energia sob o peso de juros que
afugentam a iniciativa privada e esterilizam recursos orçamentários. Será tão
difícil imaginar que juros altos também
desembocam na falta de produtos, com
consequente e natural elevação de seus
preços? E aí se inibem exportações necessárias ou se retorce a consciência para justificar ainda maior elevação das taxas de juros? Onde, afinal, vamos parar?
Pode ser essa a proposta de um governo
que pretende redimir "ofendidos e humilhados"?
Já se perguntou se alguém "teria receita melhor". Teria, sim. Desde que se esteja aberto a uma reflexão crítica consistente que possa indicar novos caminhos. O Banco do Brasil tem comprovado ser possível fazer fomento e obter lucro ao mesmo tempo. Vem obtendo sucesso com a política de equalização de
juros, em que o Tesouro paga parte das
taxas para torná-las viáveis aos tomadores de empréstimos da agricultura e do
agronegócio, do Proex e de pequenas e
médias empresas. Política que pode ser
mais bem-acabada com o fortalecimento de fundos de aval para que esse crédito possa fluir mais facilmente, superando restrições de risco e garantia.
Essa política, entretanto, vem sendo
feita de forma muito tímida, com alcance absolutamente limitado pela escassez
de recursos orçamentários disponíveis
para a equalização das taxas. Mas não
precisaria haver essa restrição. Se o governo se desvencilhasse da carapuça liberal, que coloca o carro do Orçamento
na frente dos bois da atividade a se financiar, poderia inverter a ordem dos
fatores e ampliar em muito o pagamento dessa equalização pelo Tesouro por
meio de títulos de sua própria emissão.
Produto, emprego e a consequente
extensão da base de arrecadação tributária gerados à frente pagariam com folga a emissão prévia dessa dívida pública
que bancou parte dos juros, viabilizando a concessão do empréstimo original.
As atividades econômicas a serem estimuladas estariam livres da restrição orçamentária, e o Brasil poderia reencontrar-se com seu potencial produtivo por
meio de uma ocupação competitiva.
Será patético, porém, se, à semelhança
da crença medieval de que o Sol girava
em torno da Terra, o novo governo, eleito com quase 53 milhões de votos para
mudar o quadro econômico, continuar
acreditando que é a economia que gira
em torno do Orçamento fiscal e não o
Orçamento que deve girar consistentemente em função da expansão do produto. Que pena...
Domério Nassar de Oliveira, 46, é economista
e empresário. Foi diretor-financeiro da Prodam-SP (2001-02).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES A gestão Lula segue a política econômica de FHC? - Não - Luiz Guilherme Piva: Crescimento econômico e inclusão social
Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|