|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Trindade maldita
Uma das coisas que mais impressionam quem se interessa
pela escolha profissional dos economistas estrangeiros nascidos entre
1930 e 1950, e que, posteriormente, ganharam notoriedade pelo calibre de
sua contribuição teórica e rigor na investigação empírica, é a quase unanimidade da resposta: sofreram, junto
com suas famílias, as conseqüências
da destruidora crise de 1930. Decidiram, então, tentar entender e melhorar o funcionamento do sistema econômico. Como foi possível isso ocorrer se a teoria econômica "garantia" o
pleno emprego?
A crise dos anos 30 havia sido precedida por muitas outras, mas nenhuma
com a sua virulência e profundidade.
Ela apenas confirmava, de maneira
trágica, a famosa "trindade maldita"
que acompanhara a economia desde a
Revolução Industrial. O registro das
primeiras crises data do fim do século
18, na Inglaterra. A organização produtiva chamada de "capitalista" revelou desde cedo a "trindade maldita":
1) apesar de relativamente eficiente, o
sistema deixado a si mesmo tem dificuldade de eliminar a pobreza; 2) o
seu funcionamento altamente competitivo tem a tendência de acentuar as
desigualdades entre os indivíduos e, 3)
em determinados momentos, ele se
ajusta mais fortemente, produzindo
desemprego de caráter patológico.
Foi a constatação prática dessa "trindade" que inspirou as críticas, do ponto de vista moral, dos diversos "socialismos utópicos" e, do ponto de vista
moral e prático, do "socialismo científico" de Marx e Engels. Marx, a partir
de uma brilhante antropologia, propôs uma outra "explicação do mundo" e uma outra organização social da
produção, que superaria a "trindade
maldita". Infelizmente, os que, no poder, reivindicaram o "marxismo" tentaram eliminar a "trindade", suprimindo a liberdade, o que apenas acentuou a miséria moral e material.
A recessão dos anos 30 marca um
ponto decisivo na história econômica
e no pensamento econômico. Hoje sabemos que a teoria monetária e a política do FED, inspiradas na realidade
dos anos 30, em lugar de minorar,
provavelmente aprofundou a crise.
Havia muita dissensão entre os economistas, mas nenhum com peso suficiente para ser ouvido. Lembremo-nos de que a teoria econômica de então "garantia emprego a todos os que
pudessem e se dispusessem a trabalhar em troca do salário real de equilíbrio". Essa mesma "garantia" é dada
hoje pela teoria neoclássica incorporada pela grande maioria de nossos
atuais economistas. Aliás, um grande
Prêmio Nobel (antes de se apaixonar
pela teoria do desenvolvimento) dizia
que todo desemprego é "voluntário",
produto do ataque de "preguiça" que
de tempos em tempos se abate sobre
os trabalhadores...
John Maynard Keynes (com suas
virtudes e defeitos, o maior economista do século 20) foi quem primeiro enfrentou a discrepância monstruosa
entre a realidade do desemprego e a
hipótese do "pleno emprego", até hoje
incorporada na racionalidade abstrata
dos neoclássicos. É por isso que um
pouco menos de ênfase na teoria do
equilíbrio geral (uma realidade fora
do tempo histórico); um pouco mais
de ênfase na teoria monetária da produção (uma realidade no tempo histórico); uma compreensão maior de que
o futuro não está escrito no passado
(processos não-ergóticos) e o reconhecimento de que o futuro é imperscrutável, melhoraria -e muito- a
visão dos nossos excelentes neoclássicos.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Canas e bananas Próximo Texto: Frases
Índice
|