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Lulismo e tradição
Ambiguidades da retórica presidencial evidenciam linhas de continuidade entre seu governo e antecessores
DO ALTO de impressionantes níveis de popularidade, o presidente
da República parece
mais do que nunca imbuído daquele estilo que, há tempos, ele
próprio denominou jocosamente de "Lulinha paz e amor".
Inaugurando uma hidrelétrica
em Tocantins, nesta quinta-feira, Lula tratou de irradiar essa
atitude de plenipotenciária bonomia às autoridades que o circundavam no palanque -com
destaque para a ministra Dilma
Rousseff, cuja eventual candidatura à Presidência vai sendo testada em cerimônias desse tipo.
Desse espírito de conciliação
acabam resultando curiosas inflexões no discurso presidencial.
De um lado, o presidente Lula
guarda resquícios da antiga retórica petista. No evento desta
quinta-feira, lembrou-se de acusar, por exemplo, as "oligarquias" brasileiras de terem impedido, "por vários séculos", a realização de uma obra como a
transposição das águas do rio
São Francisco.
Perguntaram-lhe em seguida
se é possível, no Brasil, governar
sem apoio de oligarquias. "Não",
respondeu Lula, "tanto que eu
tenho uma parceria extraordinária com os empresários brasileiros". Terminou afirmando que
todo mundo, na vida, "seja o trabalhador ou o oligarca", tem seus
momentos de mudar de ideia.
Em meio a tais retorções de vocabulário, pode-se ver com nitidez o estilo "lulista" de fazer política. Apesar das constantes
menções a tudo o que teria havido de inédito em sua ascensão ao
poder, o presidente Lula segue
um roteiro conhecido na história
política brasileira.
Desde Getúlio Vargas, passando por JK, e repetindo-se mesmo
no caso aparentemente tão diverso de Fernando Henrique
Cardoso, a Presidência da República muitas vezes se equilibrou
entre o impulso das tendências
modernizantes, nos centros
mais desenvolvidos, e uma arraigada base oligárquica regional.
A aliança entre PT e PMDB, no
atual governo, corresponde em
boa medida ao que, no governo
Fernando Henrique, unia o
PSDB e o então PFL. Diferenças
de coloração ideológica contam
menos do que a influência da
conjuntura econômica internacional no sucesso ou insucesso
popular de cada administração.
Os altos índices de aprovação
do governo Lula sem dúvida se
devem à combinação dos razoáveis índices de crescimento econômico obtidos até agora, e de
ganhos efetivos de renda nas camadas mais pobres da população, com a empatia pessoal do
presidente. Este último fator,
embora não irrelevante, conta
menos no cenário político do que
o desempenho da economia no
futuro próximo -sobre o qual
pairam as maiores incertezas.
O indubitável, contudo, é que o
papel do governo Lula na história brasileira não foi o de representar uma ruptura. Inscreve-se,
no que esta tem de criticável e de
positivo, numa tradição conhecida -a de conciliar atraso e desenvolvimento, oligarquia e mudança. O resto é retórica - cujas
ambiguidades, no caso do presidente Lula, apenas confirmam o
que há de essencial no seu modo
de governar.
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