São Paulo, sexta-feira, 08 de março de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Notícias da dengue

MÁRIO MAGALHÃES

O crescimento dos casos (78,5% a mais neste ano) e das mortes provocadas pela dengue (29 no primeiro mês de 2002, mais que em todo o ano passado) parecia ser motivo suficiente para o presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Mauro Ricardo Costa, esboçar um balanço dos erros no combate à doença.
Não foi isso o que ele fez no artigo ""Equívocos sobre a dengue" (Folha, pág. A3, 4/3). Preferiu tentar desqualificar a reportagem ""Especialistas culpam Serra por fracasso com a dengue" (pág. A11, 24/2), o artigo ""Questões técnicas, meramente" (pág. A2, 26/2) e, com ataques de caráter pessoal, o autor dos dois textos, este jornalista.
Aos fatos.
Costa afirma que a baixa incidência de dengue no Rio no ano 2000 ocorreu sem a contribuição dos 5.792 agentes sanitários demitidos pela Funasa no fim de junho de 1999 (o gesto é apontado por especialistas como decisivo para o recrudescimento da doença em 2001 e 2002). "[Este repórter" ignora que é o trabalho de julho a dezembro que previne casos de dengue no verão seguinte", afirmou Costa.
Errado. A ação dos mata-mosquitos tem duas finalidades principais: educar a população para prevenir e combater a enfermidade e aplicar inseticidas nas larvas e nos mosquitos adultos.
Nas milhares de residências visitadas de janeiro a junho de 1999, ensinaram-se hábitos antidengue que refletiram nos índices do verão de 2000.
E o que o extermínio de larvas e mosquitos até junho tem a ver com meses depois? As fêmeas do Aedes aegypti, o mosquito transmissor, depositam ovos que sobrevivem até 450 dias em superfícies secas. Quando chove eles eclodem, virando larva. Ou seja: o trabalho nos seis primeiros meses de 1999 evitou a eclosão de uma profusão de ovos no verão. Dúvida? Basta consultar a apostila elaborada pela Funasa há dois meses para instruir agentes de saúde no combate à dengue.
Nela, são ressaltadas a relevância da educação comunitária (págs. 22, 23, 34 e 35) e a ameaça dos ovos que sobrevivem mais de um ano, ""sério obstáculo à erradicação do Aedes aegypti " (pág. 25).


Se o ministério não carimba o dinheiro como antidengue, como assegurar que foi esse o seu destino?


Além disso, a idéia de que a prevenção da dengue no verão começa só seis meses antes faz corar entomologistas, epidemiologistas, infectologistas e sanitaristas. É consenso -pelo menos até agora parecia ser- que a prevenção deve ser permanente, 12 meses ao ano. Se o trabalho não é feito sem interrupção durante todo o ano, a resistência do vetor aumenta cada vez mais. As ações de abril são tão importantes quanto as de setembro.
O presidente da Funasa diz: O repórter ""concentra toda a "culpa" pela dengue do Rio de Janeiro no governo federal, isentando o governo e as prefeituras (...) de (...) responsabilidade".
A verdade: a reportagem conta que a Prefeitura do Rio escalou a empresa de lixo para combater larvas e mosquitos; conta que em Nova Iguaçu (RJ) a prefeitura contratou uma agência antibaratas.
Costa escreve que ""supostos "especialistas"" ouvidos pela Folha ""atribuem o recrudescimento da doença à descentralização do combate ao mosquito".
Falso: os infectologistas e epidemiologistas, qualificados professores universitários, não se pronunciaram contra a descentralização do combate à dengue, mas apontaram erros nesse processo. Exemplo: a não-uniformização ou o não-monitoramento das ações municipais pelo Ministério da Saúde.
Edulcorando o quadro nacional, Costa insiste na tese da concentração dos casos no Rio. Mas é sempre assim: alguns poucos Estados somam muito mais notificações que os outros. No recorde histórico de 1998 (559.237 casos), ignorando MG, PE e PB, os números caem 51,77%.
O contorcionismo estatístico, subtraindo Estados como peças de quebra-cabeça, não esconde que a maioria das mortes de janeiro ocorreu fora do Rio.
O chefe da Funasa chama de ""truque" o cotejo em dólar de verbas em 1997 e 2002. Há algo estranho -é a própria reportagem que alerta: ""O real não goza mais da relativa paridade com a moeda americana".
O verdadeiro truque é outro: a exibição de valores vultosos empregados contra a dengue. Como ter certeza, se há anos o Orçamento contempla boa parte dos desembolsos antidengue num pacote geral de doenças, cabendo a Estados e municípios definir os alvos específicos? Se o ministério não carimba o dinheiro como antidengue, como assegurar que foi esse o seu destino?
O presidente da Funasa não reconhece no artigo nenhum erro do ministério. Prefere adjetivar com furor a expressão de jornalismo crítico, independente e apartidário. Costa dispensa adjetivos. Sobre ele, os fatos falam por si.
Segue uma sugestão a ele: que tal uma leitura da apostila que ele mesmo, um administrador de empresas, envia aos agentes de saúde para treiná-los nos procedimentos antidengue? São magras 43 páginas. Talvez as coisas melhorem. O Brasil merece.


Mário Magalhães, 37, jornalista, é repórter da Secretaria de Redação da Folha. Recebeu, entre outros, os prêmios Esso, Folha, Vladimir Herzog e da Sociedade Interamericana de Imprensa.



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