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Governo em conserva
Freio no rendimento da poupança é medida pífia, que atende aos bancos; pequeno poupador continua discriminado
A FACETA conservadora
do governo Luiz Inácio
Lula da Silva vai se
acentuando. A inaptidão para grandes projetos -não
raro associada à indolência- e a
opção pelos ajustes acomodatícios ao "statu quo" se revelaram
mais uma vez na medida destinada a reduzir a rentabilidade da
caderneta de poupança, anunciada anteontem.
A aplicação tradicional e popular ganha atratividade com a
queda dos juros na economia. A
caderneta -ao contrário do
ocorrido com os investimentos
em renda fixa e, em especial, os
fundos DI, indexados à taxa Selic- não perdeu rentabilidade.
Com remuneração de 6% ao ano
mais a variação da TR (apurada a
partir do rendimento dos CDBs),
isenção de Imposto de Renda e
garantia do governo, a poupança
já é vantajosa em relação a alguns fundos do mercado.
Aos bancos não interessa manter atrativa a poupança -fator
que ajudou o saldo das aplicações, hoje em R$ 190 bilhões, a
aumentar R$ 6,5 bilhões apenas
em 2006. De cada R$ 100 em depósitos nas cadernetas, as instituições são obrigadas a destinar
R$ 65 para o crédito imobiliário,
nas regras do Sistema Financeiro da Habitação. Trata-se de uma
restrição que impede os bancos
de aumentarem ainda mais seus
lucros multibilionários.
Além disso, instituições financeiras estavam sendo pressionadas -algo decerto incômodo para seus interesses- a baixar as
escorchantes taxas de administração que cobram em seus fundos de investimento. Pequenos
aplicadores amargam tarifas de
até 5% para que os bancos, com
os recursos do poupador, administrem títulos pós-fixados do
Tesouro, papéis cujo custo de
gestão bancária é irrisório.
O interesse dos bancos, no entanto, não se confunde com o interesse público, que deveria nortear as ações do governo em relação à poupança. A caderneta, nas
regras atuais, é de fato um anacronismo herdado de uma época
em que prevaleciam a inflação
alta e um mercado financeiro
simplório e fechado. Não é exagero dizer que foi ludibriado o cidadão que manteve seus recursos aplicados na caderneta desde
o advento do Plano Real.
Por conta de um modelo anacrônico, desenhado para garantir recursos à habitação -mas
que não conseguiu tirar do rés-do-chão o crédito imobiliário no
país-, foi mantido um sistema
que pune os pequenos poupadores. Enquanto isso, a título de juros o setor público transfere 7%
do PIB por ano aos credores de
sua dívida, estes mais bem informados e aquinhoados.
O contexto de juros cadentes
seria propício para emancipar do
atraso o sistema de poupança popular no Brasil -e, com ele, o
modelo de crédito à habitação.
Pequenos investidores e trabalhadores, que também vêem seus
recursos no FGTS minguarem
ao longo dos anos, merecem partilhar os ganhos e também os riscos dessa revolução financeira
por que passa o país.
Mas o governo preferiu uma
mudança pontual na TR, reduzindo seu peso na correção da caderneta. Os bancos agradecem.
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