São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O papa vai a Aparecida

ODILO PEDRO SCHERER

Tudo isso, e mais, estará em pauta na conferência de Aparecida. Será a ocasião para uma grande avaliação sobre a atuação da igreja

BENTO 16, em sua primeira visita à América, chegará em São Paulo, daqui a um mês, no dia 9 de maio. Terá contatos com autoridades civis e religiosas e realizará um encontro com a juventude. Celebrará a missa com o povo, durante a qual fará a canonização de frei Galvão. No entardecer de 11 de maio, seguirá para Aparecida, onde fará a abertura da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe.
Sua presença, no início dos trabalhos dessa conferência, deixa clara a relevância do evento continental da Igreja Católica. É a quinta vez que os bispos latino-americanos se encontram, depois das conferências do Rio de Janeiro (1955), Medellín (Colômbia, 1968), Puebla (México, 1979) e Santo Domingo (República Dominicana, 1992). Com exceção da primeira, todas as demais contaram com a presença do papa.
Em Aparecida estarão bispos das 22 conferências episcopais do continente e representantes dos conselhos episcopais da Europa, da Ásia e da África, além de religiosos, leigos, padres, diáconos. Não faltarão teólogos, observadores de comunidades eclesiais não-católicas e de outras religiões. Ao todo, cerca de 280 pessoas.
Desde a conferência de Santo Domingo, há 15 anos, grandes mudanças sociais e culturais levantaram desafios novos para a missão da igreja na América Latina.
Os efeitos da globalização são perceptíveis por toda parte. A urbanização intensificou-se e os problemas das grandes concentrações urbanas multiplicaram-se. Certamente houve crescimento econômico, mas a distribuição eqüitativa das oportunidades e da renda ainda permanece um sonho para grande parte da população.
As migrações para fora do nosso continente são hoje um fenômeno significativo, não isento de sofrimentos e humilhações. A violência faz parte do cotidiano e se beneficia das ausências do Estado e da insuficiência de políticas inclusivas. Grandes interesses econômicos, gerenciados por organizações criminosas, prosperam à margem da sociedade organizada, desafiando o Estado de Direito.
Os tempos mudaram também para a igreja. Não é mais a repressão política a chamá-la em causa, para a defesa dos direitos humanos e das liberdades democráticas. Hoje, ela precisa tratar de questões bem mais sutis de ética da pessoa e da vida, do direito dos pobres e pequenos para não serem sacrificados à lógica do mercado e da participação eqüitativa no bem comum. A preservação do ambiente e o futuro da vida no planeta requerem a solidariedade global e a mudança de estilos de vida e de organização da economia.
Novas questões morais demandam discernimento e tomada de posição.
O afã, bem justificado, para resolver os problemas da pobreza e da saúde da população e o desejo, bem compreensível, de afirmar direitos individuais não podem ceder à tentação de passar por cima de direitos fundamentais e universais, como dignidade da pessoa, justiça e pleno respeito à vida humana. Mesmo a religião pode ser reduzida à lógica do mercado e do lucro, mediante a oferta de produtos para a satisfação individual.
A mobilidade religiosa é um fenômeno cultural complexo que não atinge somente a Igreja Católica. As novas propostas religiosas, seguidas por muitos, requerem discernimento e atitudes novas no exercício da missão da igreja.
Tudo isso, e muito mais, estará em pauta na conferência de Aparecida.
Será a ocasião para uma grande avaliação sobre a atuação da igreja no meio dos povos da América Latina e do Caribe. Ela deseja "ouvir a voz de Deus na voz dos tempos".
"Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que, nele, nossos povos tenham vida. "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6)" -esse é o tema da 5ª conferência, escolhido pelo próprio papa Bento 16.
A igreja e os cristãos, enquanto discípulos e missionários de Jesus Cristo, têm, certamente, muito a dizer e fazer para a vida dos povos latino-americanos. O Evangelho continua sendo "boa nova" para esses povos, que têm relações históricas e culturais entranhadas com a Igreja Católica. Ela quer fazer sua parte para que eles tenham vida mais plena.
O papa virá ao Brasil para "confirmar os irmãos na fé", conforme é próprio de sua missão (cf Lc 22,32), e para encorajá-los a participarem da edificação da sociedade, de acordo com a proposta cristã.
De Aparecida, Sua Santidade falará para toda a América e suas palavras indicarão os rumos para a igreja e os católicos no exercício de suas responsabilidades em relação ao presente e ao futuro do continente. Seja bem-vindo, papa Bento 16!


DOM ODILO PEDRO SCHERER, 57, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana (Roma), é secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e arcebispo nomeado de São Paulo.

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