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TENDÊNCIAS/DEBATES
O papa vai a Aparecida
ODILO PEDRO SCHERER
Tudo isso, e mais, estará em pauta na conferência de Aparecida. Será a ocasião para uma grande avaliação sobre a atuação da igreja
BENTO 16, em sua primeira visita
à América, chegará em São Paulo, daqui a um mês, no dia 9 de
maio. Terá contatos com autoridades
civis e religiosas e realizará um encontro com a juventude. Celebrará a
missa com o povo, durante a qual fará
a canonização de frei Galvão. No entardecer de 11 de maio, seguirá para
Aparecida, onde fará a abertura da 5ª
Conferência Geral do Episcopado da
América Latina e do Caribe.
Sua presença, no início dos trabalhos dessa conferência, deixa clara a
relevância do evento continental da
Igreja Católica. É a quinta vez que os
bispos latino-americanos se encontram, depois das conferências do Rio
de Janeiro (1955), Medellín (Colômbia, 1968), Puebla (México, 1979) e
Santo Domingo (República Dominicana, 1992). Com exceção da primeira, todas as demais contaram com a
presença do papa.
Em Aparecida estarão bispos das
22 conferências episcopais do continente e representantes dos conselhos
episcopais da Europa, da Ásia e da
África, além de religiosos, leigos, padres, diáconos. Não faltarão teólogos,
observadores de comunidades eclesiais não-católicas e de outras religiões. Ao todo, cerca de 280 pessoas.
Desde a conferência de Santo Domingo, há 15 anos, grandes mudanças
sociais e culturais levantaram desafios novos para a missão da igreja na
América Latina.
Os efeitos da globalização são perceptíveis por toda parte. A urbanização intensificou-se e os problemas
das grandes concentrações urbanas
multiplicaram-se. Certamente houve
crescimento econômico, mas a distribuição eqüitativa das oportunidades
e da renda ainda permanece um sonho para grande parte da população.
As migrações para fora do nosso continente são hoje um fenômeno significativo, não isento de sofrimentos e
humilhações. A violência faz parte do
cotidiano e se beneficia das ausências
do Estado e da insuficiência de políticas inclusivas. Grandes interesses
econômicos, gerenciados por organizações criminosas, prosperam à margem da sociedade organizada, desafiando o Estado de Direito.
Os tempos mudaram também para
a igreja. Não é mais a repressão política a chamá-la em causa, para a defesa
dos direitos humanos e das liberdades democráticas. Hoje, ela precisa
tratar de questões bem mais sutis de
ética da pessoa e da vida, do direito
dos pobres e pequenos para não serem sacrificados à lógica do mercado
e da participação eqüitativa no bem
comum. A preservação do ambiente e
o futuro da vida no planeta requerem
a solidariedade global e a mudança de
estilos de vida e de organização da
economia.
Novas questões morais demandam
discernimento e tomada de posição.
O afã, bem justificado, para resolver
os problemas da pobreza e da saúde
da população e o desejo, bem compreensível, de afirmar direitos individuais não podem ceder à tentação de
passar por cima de direitos fundamentais e universais, como dignidade
da pessoa, justiça e pleno respeito à
vida humana. Mesmo a religião pode
ser reduzida à lógica do mercado e do
lucro, mediante a oferta de produtos
para a satisfação individual.
A mobilidade religiosa é um fenômeno cultural complexo que não
atinge somente a Igreja Católica. As
novas propostas religiosas, seguidas
por muitos, requerem discernimento
e atitudes novas no exercício da missão da igreja.
Tudo isso, e muito mais, estará em
pauta na conferência de Aparecida.
Será a ocasião para uma grande avaliação sobre a atuação da igreja no
meio dos povos da América Latina e
do Caribe. Ela deseja "ouvir a voz de
Deus na voz dos tempos".
"Discípulos e missionários de Jesus
Cristo para que, nele, nossos povos
tenham vida. "Eu sou o caminho, a
verdade e a vida" (Jo 14,6)" -esse é o
tema da 5ª conferência, escolhido pelo próprio papa Bento 16.
A igreja e os cristãos, enquanto discípulos e missionários de Jesus Cristo, têm, certamente, muito a dizer e
fazer para a vida dos povos latino-americanos. O Evangelho continua
sendo "boa nova" para esses povos,
que têm relações históricas e culturais entranhadas com a Igreja Católica. Ela quer fazer sua parte para que
eles tenham vida mais plena.
O papa virá ao Brasil para "confirmar os irmãos na fé", conforme é próprio de sua missão (cf Lc 22,32), e para encorajá-los a participarem da edificação da sociedade, de acordo com a
proposta cristã.
De Aparecida, Sua Santidade falará
para toda a América e suas palavras
indicarão os rumos para a igreja e os
católicos no exercício de suas responsabilidades em relação ao presente e
ao futuro do continente. Seja bem-vindo, papa Bento 16!
DOM ODILO PEDRO SCHERER, 57, doutor em teologia
pela Universidade Gregoriana (Roma), é secretário-geral
da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e arcebispo nomeado de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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