São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Brasil e EUA: o sentido de uma visita

CELSO AMORIM

A agenda do encontro revela uma parceria madura. Esse resultado não foi obtido por uma suposta "correção de rumos" da política externa

HÁ POUCOS dias, o presidente Lula esteve em Camp David (EUA) para um encontro com o presidente George W. Bush, o segundo em menos de um mês entre os dois chefes de Estado. Nenhum outro acontecimento ilustraria melhor a maturidade alcançada pelo diálogo bilateral.
O Brasil e os Estados Unidos são dois grandes países. É natural que tenham muito a discutir. Não necessariamente haverá sempre concordância, mas o diálogo em si é fundamental para construir um relacionamento equilibrado, baseado na confiança e no respeito às visões do outro.
Os freqüentes contatos entre os dois governos, a começar pelos próprios presidentes, têm dado sentido concreto a esse relacionamento. Grupos de trabalho e mecanismos de consulta reforçam nossa cooperação em diversas áreas. A densa relação mantida entre empresários e representantes da sociedade civil nos dois países mostra como os nossos laços de amizade são profundos e espontâneos.
O comércio está em contínua expansão e chegou a quase 40 bilhões de dólares em 2006. Os Estados Unidos são o nosso maior parceiro individual e o maior investidor estrangeiro no Brasil. Em Camp David, os presidentes apoiaram a criação de um foro de altos executivos de empresas, que deve aproximar grandes empresários e contribuir para aumentar ainda mais os investimentos recíprocos.
Foi assinado um memorando de entendimento sobre educação, que vai relançar a parceria bilateral nessa área. O primeiro projeto já está definido e permitirá aumentar a cooperação em matéria de educação tecnológica e profissionalizante. Há também um acordo, em fase final de negociação, para estabelecer um vigoroso programa de cooperação científica.
A cooperação em biocombustíveis teve evidente ampla repercussão. A primeira reunião de implementação do memorando de entendimento, firmado na visita do presidente Bush a São Paulo, ocorreu em Washington, dias antes da chegada do presidente Lula. Pesquisadores e cientistas brasileiros visitarão laboratórios de pesquisa de ponta nos EUA e vice-versa.
Missão conjunta dos departamentos de Energia e Agricultura dos EUA virá em breve ao Brasil. Essa cooperação será estendida a outros países, inicialmente Haiti, República Dominicana, São Cristóvão e Nevis e El Salvador.
A cooperação em terceiros países pode ser instrumento valioso para viabilizar projetos comuns em regiões menos favorecidas. Assinei em Washington, com a secretária de Estado Condoleezza Rice, memorando de entendimento para o fortalecimento do Legislativo na Guiné-Bissau. O Brasil e os Estados Unidos também irão cooperar para a erradicação da malária em São Tomé e Príncipe.
Outros países africanos interessados poderão ser incluídos em esforços semelhantes de cooperação trilateral.
Sobre o Haiti, os presidentes Lula e Bush coincidiram na importância de seguir colaborando com a missão da ONU e ajudar na estabilização e reconstrução daquele país. Os haitianos vivem momento de esperança e precisam continuar recebendo todo o apoio da comunidade internacional.
Outros temas regionais e globais foram discutidos. O presidente Lula ressaltou a prioridade que o Brasil atribui à integração na América do Sul, com democracia, estabilidade, desenvolvimento e justiça social. Reiterou sua preocupação com o combate à fome e à pobreza e a necessidade de avançar para reduzir as desigualdades hoje existentes no mundo.
Precisamente por isso, a OMC esteve no topo da agenda em Camp David. A Rodada Doha pode ter efeito extremamente benéfico nos países mais pobres, gerando renda e desenvolvimento. O Brasil e os EUA estão comprometidos com a conclusão exitosa da rodada, o mais rápido possível. Tal compromisso é vital para dar impulso político às negociações na OMC.
Temas como a reforma da ONU, a próxima cúpula do G8 e a situação no Oriente Médio -em especial no Líbano e na Palestina- também foram detidamente examinados pelos presidentes. A agenda rica e diversificada do encontro reflete uma parceria madura, sem renúncia aos respectivos pontos de vista mas também sem ressentimentos ou cobranças.
Esse resultado não foi obtido por uma suposta "correção de rumos" da política externa. A diplomacia brasileira não alterou sua postura nem foram mudadas as prioridades definidas pelo presidente Lula desde o primeiro dia de seu governo. É exatamente por possuir uma política externa soberana e universalista, reconhecida interna e externamente, que o Brasil se faz respeitar tanto pelos países em desenvolvimento quanto pelos desenvolvidos. Eis a grande lição de Camp David.


CELSO AMORIM, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores.

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