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Brasil e EUA: o sentido de uma visita
CELSO AMORIM
A agenda do encontro revela uma parceria madura. Esse resultado não foi obtido por uma suposta "correção de rumos" da política externa
HÁ POUCOS dias, o presidente
Lula esteve em Camp David
(EUA) para um encontro com
o presidente George W. Bush, o segundo em menos de um mês entre os
dois chefes de Estado. Nenhum outro
acontecimento ilustraria melhor a
maturidade alcançada pelo diálogo
bilateral.
O Brasil e os Estados Unidos são
dois grandes países. É natural que tenham muito a discutir. Não necessariamente haverá sempre concordância, mas o diálogo em si é fundamental para construir um relacionamento
equilibrado, baseado na confiança e
no respeito às visões do outro.
Os freqüentes contatos entre os
dois governos, a começar pelos próprios presidentes, têm dado sentido
concreto a esse relacionamento. Grupos de trabalho e mecanismos de consulta reforçam nossa cooperação em
diversas áreas. A densa relação mantida entre empresários e representantes da sociedade civil nos dois países
mostra como os nossos laços de amizade são profundos e espontâneos.
O comércio está em contínua expansão e chegou a quase 40 bilhões de
dólares em 2006. Os Estados Unidos
são o nosso maior parceiro individual
e o maior investidor estrangeiro no
Brasil. Em Camp David, os presidentes apoiaram a criação de um foro de
altos executivos de empresas, que deve aproximar grandes empresários e
contribuir para aumentar ainda mais
os investimentos recíprocos.
Foi assinado um memorando de
entendimento sobre educação, que
vai relançar a parceria bilateral nessa
área. O primeiro projeto já está definido e permitirá aumentar a cooperação em matéria de educação tecnológica e profissionalizante. Há também
um acordo, em fase final de negociação, para estabelecer um vigoroso
programa de cooperação científica.
A cooperação em biocombustíveis
teve evidente ampla repercussão. A
primeira reunião de implementação
do memorando de entendimento, firmado na visita do presidente Bush a
São Paulo, ocorreu em Washington,
dias antes da chegada do presidente
Lula. Pesquisadores e cientistas brasileiros visitarão laboratórios de pesquisa de ponta nos EUA e vice-versa.
Missão conjunta dos departamentos
de Energia e Agricultura dos EUA virá
em breve ao Brasil. Essa cooperação
será estendida a outros países, inicialmente Haiti, República Dominicana,
São Cristóvão e Nevis e El Salvador.
A cooperação em terceiros países
pode ser instrumento valioso para
viabilizar projetos comuns em regiões menos favorecidas. Assinei em
Washington, com a secretária de Estado Condoleezza Rice, memorando
de entendimento para o fortalecimento do Legislativo na Guiné-Bissau. O Brasil e os Estados Unidos também irão cooperar para a erradicação
da malária em São Tomé e Príncipe.
Outros países africanos interessados
poderão ser incluídos em esforços semelhantes de cooperação trilateral.
Sobre o Haiti, os presidentes Lula e
Bush coincidiram na importância de
seguir colaborando com a missão da
ONU e ajudar na estabilização e reconstrução daquele país. Os haitianos
vivem momento de esperança e precisam continuar recebendo todo o
apoio da comunidade internacional.
Outros temas regionais e globais foram discutidos. O presidente Lula
ressaltou a prioridade que o Brasil
atribui à integração na América do
Sul, com democracia, estabilidade,
desenvolvimento e justiça social. Reiterou sua preocupação com o combate à fome e à pobreza e a necessidade
de avançar para reduzir as desigualdades hoje existentes no mundo.
Precisamente por isso, a OMC esteve no topo da agenda em Camp David.
A Rodada Doha pode ter efeito extremamente benéfico nos países mais
pobres, gerando renda e desenvolvimento. O Brasil e os EUA estão comprometidos com a conclusão exitosa
da rodada, o mais rápido possível. Tal
compromisso é vital para dar impulso
político às negociações na OMC.
Temas como a reforma da ONU, a
próxima cúpula do G8 e a situação no
Oriente Médio -em especial no Líbano e na Palestina- também foram detidamente examinados pelos presidentes. A agenda rica e diversificada
do encontro reflete uma parceria madura, sem renúncia aos respectivos
pontos de vista mas também sem ressentimentos ou cobranças.
Esse resultado não foi obtido por
uma suposta "correção de rumos" da
política externa. A diplomacia brasileira não alterou sua postura nem foram mudadas as prioridades definidas pelo presidente Lula desde o primeiro dia de seu governo. É exatamente por possuir uma política externa soberana e universalista, reconhecida interna e externamente, que o
Brasil se faz respeitar tanto pelos países em desenvolvimento quanto pelos desenvolvidos. Eis a grande lição
de Camp David.
CELSO AMORIM, diplomata, doutor em ciências políticas
pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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