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TENDÊNCIAS/DEBATES
A reforma agrária baseada na distribuição de terras é eficiente?
SIM
Os males da estrutura anacrônica
PLINIO ARRUDA SAMPAIO
Em outros tempos, qualquer pessoa minimamente informada sobre
os problemas do meio rural simplesmente não entenderia a pergunta acima
formulada. Na literatura especializada,
a redistribuição dos direitos de acesso à
terra sempre constituiu a essência mesma da reforma agrária.
Mas estamos vivendo tempos estranhos, de modo que se torna necessário
demonstrar o óbvio: não há reforma
agrária sem uma distribuição de terras
que afete significativamente a estrutura
agrária do país. Basta perguntar: por
que motivo o Estado decide promover
uma reforma agrária? Na literatura clássica, a resposta é: porque esse Estado
defronta-se com uma questão agrária.
A "questão agrária" tem sido tema de
volumosa literatura desde os fins do século 19, e a discussão sobre ela sempre
girou em torno dos entraves que uma
estrutura agrária anacrônica cria para a
penetração da modernidade no campo.
Por estrutura agrária sempre se entendeu o conjunto das relações econômicas, sociais e políticas derivadas da forma de acesso à terra. Quando a terra é
monopolizada por uma classe de proprietários rurais, as relações que eles estabelecem com a população rural provocam baixa utilização das terras, exploração extensiva do solo, rigidez da
oferta de produtos agrícolas, pobreza da
população rural, submissão social e política do campesinato.
Não se pode, em um quadro desse tipo, construir uma economia agrícola
dinâmica e um Estado verdadeiramente
democrático; e não há como alterar esse
quadro somente com medidas de política agrícola. É fato exaustivamente documentado que a estrutura agrária concentrada gera, por meio das suas viciadas relações econômicas, sociais e políticas, mecanismos que anulam automaticamente os efeitos dos estímulos oferecidos pelas políticas agrícolas.
A necessidade da intervenção direta
do Estado na estrutura fundiária surge
dessa rigidez estrutural. Só com uma
operação "cirúrgica" consegue-se romper o monopólio da terra -passo prévio ao surgimento de relações econômicas, sociais e políticas novas, propícias à
implantação da racionalidade econômica e dos direitos democráticos no meio
rural. A partir da política de modernização tecnológica iniciada pelos governos
militares, os economistas conservadores passaram a negar os efeitos nocivos
da concentração da terra, pois, sem distribuí-la, até concentrando-a ainda
mais, a modernização tecnológica do
campo possibilitara ao setor agrícola
acompanhar a evolução da demanda,
aumentar as exportações e melhorar a
produtividade da agricultura. Concluíram daí que a hora da reforma agrária
havia passado.
O que esse discurso ideológico omite é
o preço dessa "modernização" -preço
altíssimo em termos de desintegração
de sistemas produtivos, empobrecimento de milhões de famílias rurais,
emigração maciça da população do
campo para as cidades, degradação ambiental, aumento da dependência tecnológica, vulnerabilidade alimentar,
agravamento dos conflitos rurais, prepotência de fazendeiros sobre os trabalhadores rurais, desrespeito aos direitos
dos indígenas sobre suas terras.
Esse conjunto de problemas compõe
a "questão agrária" brasileira atual, e
nenhum deles poderá ser resolvido enquanto a atual estrutura agrária não for
substancialmente alterada, sendo certo
também que, enquanto tais problemas
não forem resolvidos, o Brasil continuará uma economia subdesenvolvida e
sua democracia, uma ficção jurídica.
Para superar o círculo vicioso do atraso e da pobreza, decorrente em última
instância da absurda concentração da
propriedade da terra (43% das terras
agricultáveis estão em mãos de 1,7% dos
proprietários), a equipe encarregada de
formular o 2º PNRA (2º Plano Nacional
de Reforma Agrária) estabeleceu a meta
de assentar, em quatro anos, 1 milhão
de famílias em 36 milhões de ha de terras desapropriadas das grandes fazendas improdutivas. Essa meta seria suficiente para provocar os desequilíbrios
virtuosos que caracterizam um processo real de reforma agrária.
A redução da meta para 520 mil famílias, determinada pelo governo, não
provoca uma distribuição de terras de
magnitude suficiente para provocar tais
desequilíbrios. Portanto ainda é preciso
lutar pela reforma agrária, como o MST
e tantos outros movimentos populares
vêm fazendo.
Admitir uma reforma agrária sem distribuição de terras constitui uma forma
de confundir a opinião pública, quando
não se quer alterar a situação estrutural
do campo. Sempre se pode dar a uma
política agrícola o nome de reforma
agrária, mas não se pode, com esse expediente, resolver os graves problemas
que só uma verdadeira reforma agrária
resolveria.
Plinio Arruda Sampaio, 73, advogado e economista, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação).
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