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TENDÊNCIAS/DEBATES
A reforma agrária baseada na distribuição de terras é eficiente?
NÃO
Reinventar a reforma agrária
XICO GRAZIANO
O distributivismo agrário encerrou seu ciclo. Tornou-se uma
proposta distante de sua época, uma
idéia fora do lugar. Formulado há 40
anos, o modelo de reforma agrária do
Brasil está, claramente, superado. Por
quê? Porque no passado, há 50 anos,
imperava a terra ociosa, os famosos latifúndios dos coronéis do sertão ou das
oligarquias da capital. O país era eminentemente rural e a tecnologia de produção incipiente. A mecanização das lavouras se iniciou só na década de 70.
Naquela época, bastava vontade de
trabalhar e uma boa enxada para prosperar no campo. Os mercados eram
predominantemente locais, as agroindústrias pequenas. Mandava o armazém e as mercadorias se vendiam a granel. Hoje tudo mudou. Surgiram as redes de supermercados e suas gôndolas,
que atendem a donas-de-casa exigentes,
atrás de padronização e qualidade. A
sofisticação da elite se incorporou na
classe popular. Consumidores seletivos
direcionam os canais de comercialização agrícola. Metrópoles são abastecidas ao mesmo tempo em que o país assume a liderança mundial nas exportações do agronegócio. Isso só é possível
porque a agropecuária se modernizou.
Nesse fabuloso e rápido processo, os
latifúndios se transformaram em empresas rurais. A terra, antes ociosa, agora bate recordes de produtividade. Açúcar, café, fumo, soja, carne bovina, frango, suco de laranja, papel e celulose
-em vários setores os concorrentes internacionais tomam poeira do caipira
nacional. Gente simples, porém capaz,
domina a tecnologia de ponta e dá show
de competência na lide rural.
Cadê o sem-terra? Mudou para a cidade. Expulso pela mecanização ou mandado embora devido ao temor da legislação trabalhista, o trabalhador rural se
refugiou no emprego, primeiro, da
construção civil. Atraído pela indústria,
buscou qualidade na vida urbana. Assim se inverteu a pirâmide populacional
do país. Nas regiões de agricultura desenvolvida, em todas elas, inexiste desemprego. Pelo contrário, há escassez
de mão-de-obra, desde colhedores de
laranja em São Paulo até tratoristas na
Bahia. Goste-se ou não, o Brasil cresceu,
urbanizou-se e virou potência agrícola
mundial sem necessitar da reforma
agrária. A tese histórica afirmava que,
sem eliminar o latifúndio, não haveria
progresso no campo. Era verdade.
Quem, entretanto, realizou a façanha
não foi a esquerda, mas o capitalismo.
A distribuição continua concentrada,
porém a terra está produtiva. Melhor
ainda, gerando milhões de empregos,
dentro das fazendas e fora de suas porteiras, nas cadeias produtivas que dela
se originam. Sem o pasto do boi não haveria tantas churrascarias nem seus garçons. Do algodão no Mato Grosso se
originam as vendedoras de jeans do
shopping center carioca.
O que restou para o distributivismo
da terra? Infelizmente, a desilusão urbana, provocada pelo tremendo desemprego. Tendo perdido seu significado
produtivo, propõe-se a reforma agrária
como válvula de escape das tensões urbanas. Assim, o MST, que nasceu movimento social, transformou-se em fábrica de sem-terra, marca registrada de sua
rígida e fortíssima organização.
Gente boa, miserável, mistura-se aos
oportunistas e malandros para ganhar
um lote nos assentamentos. Iludidos
com promessas de futuro fácil, massas
são manipuladas e treinadas para invadir fazendas e erguer lonas pretas. A
classe média se apieda, enquanto a burguesia, assustada com a marginalidade,
apóia veladamente: faça o favor de seguir para bem longe daqui! Assim, a favela mudou de lugar -dos barracos na
periferia para os acampamentos rurais.
Imaginar que um pobre alienado, sem
aptidão nem cultura adequada, possa se
tornar um agricultor de sucesso no
mundo da tecnologia e dos mercados
competitivos significa raciocinar com o
absurdo. Para alguns, a ideologia explica; para outros, impera a ingenuidade.
Abstraindo os picaretas da reforma
agrária, que engrossam as invasões tencionando realizar um pequeno negócio
imobiliário, os demais, bem-intencionados, dificilmente sobreviverão na lide
rural. Eles não têm preparo suficiente
para enfrentar as barreiras impostas pela moderna forma de produzir no campo. Basta ver o fracasso dos assentamentos dos últimos 15 anos.
A maior prova da dificuldade em se
manter agricultor no mundo atual está
nos 4,5 milhões de pequenos e médios
produtores rurais, que lutam para sobreviver. Peguem o alerta da França:
seus 2 milhões de agricultores reduziram-se, em meio século, a somente 500
mil. Mesmo com tanto protecionismo.
Aqui reside o fulcro da questão agrária recente: nos trabalhadores "com terra", esses milhões de agricultores tradicionais, netos, bisnetos, descendentes
dos camponeses de outrora. Eles não invadem nada nem criam confusão. Querem prosperar, isso sim. E estão esquecidos, porque são pacíficos.
É um tremendo equívoco querer realizar, no presente, a reforma agrária que
não foi esquecida no passado. Quem
quer mesmo enfrentar a miséria, que
troque a receita velha pelo remédio novo. A tarefa cabe à esquerda. Há que
reinventar a reforma agrária no Brasil.
Francisco Graziano Neto, o Xico Graziano, 51,
engenheiro agrônomo, é consultor de empresas
e presidente da ONG AgroBrasil. Foi presidente
do Incra (1995) e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (1996-98).
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