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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Organizando uma surpresa
Como se organiza eleição presidencial no Brasil? As forças políticas recrutam em suas fileiras um
membro da reduzida lista de políticos
conhecidos em todo o país. O candidato adota alguma variante do discurso quase único: responsabilidade econômica com consciência social, social-democracia adaptada às condições existentes abaixo do equador.
Finge ser espécie de Juscelino mais
comprometido tanto com a justiça social como com a austeridade fiscal do
que foi aquele suposto modelo. Coloca-se em mãos de marqueteiros que
enfeitam suas promessas de mudança
sem aventuras. Longe das câmaras,
reúne-se com os grandes financiadores da campanha, entre os quais primavam antigamente os empreiteiros e
primam agora os banqueiros e os
magnatas da mídia. A preocupação é
conquistar a confiança da massa popular sem causar sobressalto para a
plutocracia. Os doadores dividem
seus investimentos entre todos os candidatos principais, por um critério
que tem a ver mais com o cálculo de
probabilidades do que com a lógica
das afinidades. Ao eleitorado sobra
penetrar, por exercício de intuição, a
neblina dos enganos.
As premissas desse jogo são as seguintes. A primeira é que os partidos
são fracos, embora o Congresso seja
forte. Seguem o norte do poder e, durante campanhas eleitorais, os movimentos da opinião. A segunda é que
candidatos presidenciais devem pertencer ao elenco de políticos já nacionalmente conhecidos. Quando, por
exemplo, se diz faltarem nomes para
contestar a pseudopolarização entre o
PT e o PSDB, o que se quer dizer é que
falta quem nessa lista possa, com credibilidade, representar alternativa. A
terceira é que os que integram a lista
ou não querem ver grandes mudanças
realizadas no país ou não têm suficiente clareza a respeito de seu conteúdo para resistir aos envolvimentos a
que fica sujeito qualquer candidato
presidencial que comece a subir. A
quarta é que se surgirem, de fora da
lista, nomes e forças que sirvam ao desejo de reorientar o rumo do país e
consigam comover os eleitores, os
partidos vêm atrás, em número bastante para viabilizar candidatura competitiva. Despido de preconceitos, o
eleitorado busca saída. Difícil - difícil, porém possível - é romper o círculo vicioso do desconhecimento, sobretudo quando a mídia está cerceada
pelo efeito duplo da dependência financeira e da desilusão política.
Nada disso difere muito de situações
comuns nas democracias ricas do
Atlântico Norte. A diferença é que elas
não estão no chão, e nós estamos. E
com esta agravante: que, dadas a capacidade do povo de sobreviver, embora
com sofrimento, na informalidade, e a
capacidade da economia de compensar a falta de mercado interno com a
abertura de mercados externos, a crise
ainda não é grande o bastante para
forçar reorientação. O castigo é a mediocridade perpétua.
O país não quer escolher em 2006
entre o presidente atual e o anterior
-entre duas correntes de opinião que
se reuniram para frustrar-lhe, em nome de rendições travestidas de necessidades, a vontade repetidamente manifestada. Tratemos de ir ao encontro
da nação, reunindo forças e construindo nomes. Antes de ser político e
partidário, esse impulso é moral e intelectual: tem de começar nos espíritos de alguns indivíduos que reconheçam oportunidades onde outros só
identifiquem constrangimentos. A solução, portanto, está naquilo que as regras do jogo não contemplam, mas
não podem evitar: o diálogo entre o
acaso e a grandeza.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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