São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Assédio sexual e justiça
LUIZA NAGIB ELUF
A lei entrou em vigor em 16 de maio de 2001 e foi comemorada como importante conquista feminina, embora a figura penal admita tanto mulheres como homens na situação de vítimas. Mesmo antes de existir a tipificação penal, a conduta de assediar alguém já vinha sendo objeto de ações civis e trabalhistas, mas o fato de torná-la delituosa teve relevante papel intimidador e educativo. Completados, no mês de maio, quatro anos da nova lei, é apropriado fazermos um balanço das decisões judiciais a respeito da matéria, embora muitos julgamentos possam levar mais tempo para ter uma solução definitiva. No entanto, pesquisas realizadas nas Delegacias de Defesa da Mulher e nos Juizados Especiais Criminais demonstram que as vítimas de assédio sexual têm recorrido pouco para fazer valer seus direitos. Talvez porque as chances de sucesso não sejam muito animadoras e as razões para isso continuam sendo o preconceito contra a mulher, que é a ofendida na esmagadora maioria dos casos, e as dificuldades na produção de provas. Em recente sentença na Justiça trabalhista, uma juíza chegou a afirmar que ser chamada de "gostosa" pelo superior hierárquico no ambiente de trabalho não configurava constrangimento, mas elogio. Segundo a magistrada, o termo em questão é pronunciado costumeiramente, inclusive no horário livre de televisão, e significaria apenas "mulher bonita". Em conseqüência, o assediador foi absolvido, e a indenização, negada. Importa verificar que, no caso mencionado acima, a funcionária vítima das investidas sexuais foi demitida justamente por negar-se a ceder às pretensões abusivas de seu chefe. Do estudo dos autos, ficou claro que ocorreu assédio, não apenas passível de indenização pecuniária mas também de punição pelo Código Penal. É interessante observarmos, também, que a expressão "gostosa" não tem o mesmo significado de "bonita", por apresentar conotação indiscutivelmente sexual. A mulher "gostosa" é aquela que, independentemente de ter boa aparência, provoca forte atração física. Além disso, no caso mencionado, a abordagem desrespeitosa não se limitou ao uso de adjetivos. Houve convites e outras insinuações comprovadas por e-mails, vindos de um superior hierárquico com poder de demissão sobre a vítima. Repelidas as investidas, ela perdeu o emprego no qual estava há oito anos. Infelizmente, para coroar o episódio de equívocos, a sentença foi proferida por uma mulher... Houve recurso da decisão proferida e aguarda-se o posicionamento da instância superior. A jurisprudência da Justiça do Trabalho foi a primeira a se fixar favoravelmente à vítima de assédio sexual, havendo acórdãos que muito bem demonstram o sentimento da maioria da população com relação ao tema: "O assédio sexual grosseiro, rude e desrespeitoso, concretizado em palavras ou gestos agressivos, já fere a civilidade mínima que o homem deve à mulher, principalmente em ambientes sociais de dinâmica rotineira e obrigatória, como no trabalho" (TRT, desembargador Maurício José Godinho Delgado). É possível esperar que as dificuldades atuais sejam transpostas. A situação tende a evoluir favoravelmente às vítimas de assédio sexual, pois a compreensão mais acurada do que significa tal conduta e as graves conseqüências que acarreta deverão conduzir a Justiça a posicionamentos que tendam a combater o desrespeito e a imposição sexual. Como regra geral, nos crimes contra os costumes -dentre os quais passou a figurar o assédio sexual-, a palavra da vítima se reveste de especial importância, pois, em geral, esses delitos são praticados sem a presença de testemunhas. Assim, é comum que, em casos de estupro e de atentado violento ao pudor, a versão da vítima acabe prevalecendo sobre a negativa do réu, desde que haja outros indícios probatórios reforçando, de alguma forma, a narrativa da pessoa ofendida. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao assédio sexual. É importante que as vítimas desse lamentável constrangimento possam denunciar seus agressores e ser bem sucedidas nas demandas judiciais. Trata-se de uma providência que depende não apenas de lei que a ampare mas também do reconhecimento social e jurídico da importância de coibir tal prática. Luiza Nagib Eluf, 50, é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e autora de "A Paixão no Banco dos Réus", entre outros livros. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso). @ - luizaeluf@terra.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ives Gandra da Silva Martins e Lilian Piñero Eça: Verdade sobre células-tronco embrionárias Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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