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VINICIUS MOTA
Pregação contra o presente
Há momentos em que a história
se fecha sobre os homens e o presente oprime. Podemos estar vivendo
dias assim. Parece que os mercados financeiros vão bloqueando as possibilidades de escapar aos seus ditames.
Para atravessar a tormenta uns recomendam maracujina; outros, antidepressivos. Modestamente, sugiro a leitura de "As Consequências Econômicas da Paz", de John Maynard Keynes.
A pobreza de espírito que nos caracteriza como cultura deve ser bastante
para explicar por que somente agora,
mais de 80 anos após a sua publicação
original, o público brasileiro mais amplo tenha obtido acesso, na íntegra, a
um clássico do século 20.
Ao ressentimento -poderoso propulsor do intelecto- se deve o livro.
Keynes, representante do Tesouro inglês na Conferência de Versalhes
(1919), fracassou na tentativa de convencer os aliados a adotar suas teses.
Resolveu, então, abandonar seu posto
antes do término das conversações e
publicar as razões de sua indignação.
O resultado impressiona.
São impagáveis as descrições feitas
por Keynes dos líderes presentes à
reunião da França, que redefiniu a
geopolítica européia após o fim da
grande guerra de 1914-1918. A nota
máxima vai para as passagens sobre o
então presidente dos Estados Unidos,
Woodrow Wilson: "Seu pensamento
e temperamento eram essencialmente
teológicos, não intelectuais." À mesa
de negociações, o messias que cruzou
o Atlântico com seus 14 pontos (e mais
nada) foi trucidado por Georges Clemenceau e David Lloyd George, mestres da tática política.
Mas Keynes não comemora a resultante desse embate: a humilhação política e o dreno de praticamente toda a
capacidade financeira da Alemanha.
Eis o tema que mais dá a pensar nessa
obra: a capacidade de seu autor de
perceber as linhas que escapam do
presente, de transcendê-lo.
A velha lógica mesquinha e nacionalista por que se movia a política européia -encarnada pelo dirigente francês e por seu colega britânico- já não
era capaz de responder ao complexo
de relações recíprocas que o avanço
do capitalismo havia estabelecido entre as diversas nações européias. Impor a servidão à Alemanha e o isolamento à Rússia bolchevique era condenar a população européia a privações desnecessárias -com as principais consequências políticas (revanchismo na Alemanha; endurecimento
do regime soviético na Rússia) antevistas por Keynes.
A Europa teve de passar por um
confronto ainda mais sangrento -e a
ameaça comunista teve de se fazer
muito mais próxima- para que a
consciência do mundo político ocidental se adaptasse ao que Keynes vislumbrava no final dos anos 10.
Ao menos na modernidade, a boa literatura, a boa crítica política e, por
que não, o bom jornalismo quase
sempre se fazem contra o caráter
opressivo do presente. Tentemos
aprender um pouco com esse livro de
John Maynard Keynes.
AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DA PAZ
De: John Maynard Keynes. Editoras: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo e Universidade de
Brasília. Tradução: Sérgio Bath. 212 págs. R$ 27.
Vinicius Mota é editor de Opinião da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras
nesta coluna.
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