São Paulo, segunda-feira, 08 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O homem e sua glória

RIO DE JANEIRO - Na última terça-feira, chegada dos pentacampeões, tinha de ir a Porto Alegre e fui para o aeroporto justo na hora em que os heróis estavam sendo aguardados por diversas multidões ao longo da Linha Vermelha, que liga o Galeão ao centro da cidade.
Em todos os viadutos e cruzamentos havia gente ali postada desde a manhã, esperando a banda passar. Já era noite, não havia iluminação, e aquele povo reunido pelo caminho não fazia sentido, os jogadores passariam no escuro, às pressas, mesmo assim ninguém se arredava, querendo ver uma pequena fatia da nossa mais recente glória nacional.
Contudo, já depois da ilha do Fundão, num trecho ermo, sem casas, sem acessos, sem nada, vi um homem sentado no encostamento da pista, segurando uma bandeirinha brasileira, tão envergonhada que nem tremulava, nem ele a fazia tremular, pois devia estar cansado, tão cansado que nem mais sabia o que realmente estava fazendo ali.
Ele esperava desde cedo, escolhera aquele trecho deserto para ver melhor e para melhor ser visto pelos triunfantes que provavelmente acenariam para ele.
A bandeirinha brasileira estava presa em seus joelhos, ele cochilava, na certeza de que a simples passagem dos deuses em glória irradiaria tamanha luz que o acordaria e ele teria cinco, dez segundos para ver e ser visto, assinando o ponto numa vitória que também era dele, apoderando-se dela, e dela fazendo um patrimônio pessoal, intransferível.
Lembrei um romance lido na juventude, o cortejo do Calvário passa por um lugar deserto, um homem sentado à beira do caminho olha o condenado que leva às costas a cruz na qual morrerá.
Os dois trocam um olhar, o homem que dividirá a história em antes e depois dele, e o homem que nem sabe o que está acontecendo.


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