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CARLOS HEITOR CONY
O homem e sua glória
RIO DE JANEIRO - Na última terça-feira, chegada dos pentacampeões, tinha de ir a Porto Alegre e fui para o
aeroporto justo na hora em que os
heróis estavam sendo aguardados
por diversas multidões ao longo da
Linha Vermelha, que liga o Galeão
ao centro da cidade.
Em todos os viadutos e cruzamentos havia gente ali postada desde a
manhã, esperando a banda passar.
Já era noite, não havia iluminação, e
aquele povo reunido pelo caminho
não fazia sentido, os jogadores passariam no escuro, às pressas, mesmo assim ninguém se arredava, querendo
ver uma pequena fatia da nossa mais
recente glória nacional.
Contudo, já depois da ilha do Fundão, num trecho ermo, sem casas,
sem acessos, sem nada, vi um homem
sentado no encostamento da pista,
segurando uma bandeirinha brasileira, tão envergonhada que nem tremulava, nem ele a fazia tremular,
pois devia estar cansado, tão cansado
que nem mais sabia o que realmente
estava fazendo ali.
Ele esperava desde cedo, escolhera
aquele trecho deserto para ver melhor e para melhor ser visto pelos
triunfantes que provavelmente acenariam para ele.
A bandeirinha brasileira estava
presa em seus joelhos, ele cochilava,
na certeza de que a simples passagem
dos deuses em glória irradiaria tamanha luz que o acordaria e ele teria
cinco, dez segundos para ver e ser visto, assinando o ponto numa vitória
que também era dele, apoderando-se
dela, e dela fazendo um patrimônio
pessoal, intransferível.
Lembrei um romance lido na juventude, o cortejo do Calvário passa
por um lugar deserto, um homem
sentado à beira do caminho olha o
condenado que leva às costas a cruz
na qual morrerá.
Os dois trocam um olhar, o homem
que dividirá a história em antes e depois dele, e o homem que nem sabe o
que está acontecendo.
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