São Paulo, segunda-feira, 08 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os superfinalistas de outubro

CANDIDO MENDES


Qual o pacto de retorno a esse "nada-consta" celebrado pelos caciques partidários com os donos da informação?


Quem comanda , em última instância, a ida às urnas em outubro? Pensávamos, de saída, que esse páramo seria dividido, tão-só, entre as parcas, donas do vaticínio das pesquisas, e os marqueteiros, donos da imagem e do que seja o bom-tom, o silêncio ou o que ainda digam os candidatos robotizados.
Nizan Guanaes pode falar, com toda razão, em transformação dos votos em verdadeiro "plebiscito" em que, ao final, são duas imagens pré-fabricadas que se testam, tanto mais se aproximem, tanto mais, afinal, a escolha se faça como o exercício da compra de um mesmo produto, diferindo, às vezes -e aí vai o gosto deixado ao eleitor nos mínimos da embalagem.
O próprio PT entrega todo o seu perfil de campanha a um supergabinete deixado à batuta de Duda Mendonça, que não se brinca com ideologia, nem com a aspereza de programas, diante da produção do cenário que conta e vira a realidade do desejo do eleitor. Guardamos ainda, graças a Deus, a arma decisiva, para que, maiorias, o sejam tais, quando se vai às urnas, no peso gigantesco do voto obrigatório, que nos transforma, mal ou bem, no maior eleitorado democrático do mundo hoje. Por paradoxo à nova regra do consumismo eleitoral, ainda mantemos buracos nos grotões, obedientes aos votos de clientela.
Entra, agora, a derrubar aquelas neopotestades, o comando da informação e dos exterminadores que deram curso à denúncia de corrupção. Qualquer denúncia, desde que manchete plena, é capaz de vaporizar, de imediato, a esperança dos candidatos. Michel Temer promulgou o veredicto definitivo, no piparote com que descartou Henrique Alves e a entrada nordestina na chapa de Serra. Não importa a verdade, ou não, do que diga a mídia. O que vale é o que lá está, na denúncia. Pouco conta o crível, o verossímil e, finalmente, a prova. Ou, sobretudo, a sua espera. A campanha não se freia, tem o seu "timing" e as favas contadas, que serão os números das urnas, e seu diferencial que não volta atrás nem comporta recursos.
A instalação dessas divindades decorreu do clima generalizado de suspeita de enriquecimento ilícito, que passou a soldar-se, hoje, ao próprio e mero desempenho da conduta política no país. Fez-se norma a presunção de que a República é a "cosa nostra". E se definiu um inferno simbólico, com os seus flashes inescapáveis. As prateleiras escancaradas das notas de R$ 50, do escritório do marido de Roseana; as malas pretas, às portas do Congresso; os excessos de telefonemas para as Ilhas Cayman; adubam todos o imaginário fatal do país e, em especial, dessas classes médias que concorrem com o latifúndio dos impostos nesses 34,6% que o fisco leva do PNB brasileiro. Entranhou-se por demais a presunção, descartada toda a paciência, para que os processos se encerrem ou, sobretudo, a imprensa se contenha, na assimilação natural do verossímil ao verdadeiro.
A ameaça da acusação mata por antecipação os seus alvos. A derrubada átona do último pretendente nordestino a vice criou para o PMDB já o novo rito das abluções preventivas. Não indicou Rita sem a bênção prévia dos órgãos de opinião pública. As nossas instituições entregaram agora à mídia um saneador cívico, mas, inclusive, sem garantia de que, a qualquer tempo, a concordância de agora não baleie em pleno vôo a candidatura nascente. Qual o pacto de retorno a esse "nada-consta" celebrado pelos caciques partidários com os donos da informação?
De toda forma, instala-se, de vez, para as instituições políticas brasileiras, a presunção de que a denúncia vale à verdade. No jogo mais pragmático da "realpolitik", de custos e benefícios, não há nenhum medo de castigo judiciário, penas e multas que levem de vencida o arremesso da flecha dos deuses nesse Olimpo superposto à disputa política do Pindorama. Só o compartilham os perscrutadores da mídia e os donos da imagem, como divindades inferiores aos proprietários do informe e do querer, ou não, baixar à refrega dos homens.
A velha metralhadora giratória, incorporada ao imaginário político por Carlos Lacerda, irrompe hoje com os tiros ao alvedrio de toda a mídia que aceite pagar pelos gastos do assumido jogo da precipitação. Quem lubrificou-lhes o gatilho foram as próprias lideranças parlamentares, ao relaxar a proteção constitucional do direito de imagem e desfazer a linha entre o indiscutível direito de informar, congênito à seriedade da mídia, e o que possa ser a tentação de interferir no cenário, frente ao qual os atores ostensivos passam a figurantes de cartolina e "papier machér".
A democracia, ao se aperfeiçoar, sugere esse primeiro paradoxo entre informar e destruir currículos na entrega à absoluta servidão à opinião pública.
Aos partidos fica o direito de fornecer a estrita matéria-prima, a que a "expertise" dos produtores do espetáculo emprestarão, e em proeza cada vez mais difícil, o quê de diferença da embalagem ou do detalhe picante da compra, pelo vídeo, da convicção com que se apertará o botão em outubro próximo.
De toda forma, as legendas hoje vão à guerra, apenas no alinhamento de pontos perdidos. Não é o que digam de novo ou de diferente o que conta, mas o que, por catástrofe, saia do figurino esperado. Ou seja, mostra-se de vez, nesses resultados cada vez mais átonos, quando não fiéis a uma opção profunda no fortim do inconsciente coletivo, esta soma algébrica devastadora entre o ser obrigado a votar e o votar cada vez mais na mesma coisa.
Claro, o tucanato nos deixou com nitidíssimo avanço, nas conquistas visíveis das liberdades e dos direitos humanos. Não sabemos, ainda, se mal começa a briga com os seus agressores invisíveis, com os ditadores do marketing eleitoral, ou os manipuladores do informar da mídia, e do tornar presunção de verdade tudo que digam. Ou de fazer da liberdade de voto o tráfico da imagem sem volta, fazendo impunemente o seu estrago e esperando Godot, frente à justiça.



Candido Mendes, 74, é presidente do "Senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco, membro da Academia Brasileira de Letras e reitor da Universidade Candido Mendes.



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