São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

De "denuncismo" e espelhos

SÃO PAULO - Que há "denuncismo", não é preciso ser gênio para descobrir. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma das últimas pessoas no Brasil com autoridade moral para criticá-lo.
Basta lembrar um só dos muitos "denuncismos" dele próprio: a afirmação de que o Congresso Nacional abrigava "300 picaretas".
Trata-se de um clássico do "denuncismo" em três aspectos:
1 - Em vez de "investigar e apurar", como pede agora o mesmo Lula, ele lançou a acusação sem investigação alguma, sem prova alguma.
2 - Não deu nomes, com o que estendeu a suspeição a todos os parlamentares, mesmo aos que ele próprio deveria considerar inocentes.
3 - Usou um conceito que é muito popular (a crítica aos políticos), com o que se travestia de voz do povo ante os poderosos.
A denúncia do "denuncismo" na boca de Lula incorre em uma segunda inconsistência, ao menos ao atribuir às "manchetes de jornais" o "massacre" de "pessoas".
A manchete desta Folha, ontem, tratava da quebra do sigilo fiscal de banqueiros e executivos de entidades financeiras (29 no total).
Quem determinou a quebra do sigilo fiscal deles todos não foi a Folha ou qualquer outro jornal, mas o relator de uma CPI, aliás deputado (José Mentor) que pertence ao partido do presidente. Mais: apesar de se tratar de assunto de maior gravidade, o deputado não tinha na memória as razões pelas quais solicitara tão dura providência.
Há, portanto, um fato real, gerado por uma respeitável instituição republicana. Se é fato, não é "denuncismo", por definição. Não divulgar o fato é que seria crime de lesa-leitor. Causa problemas para os atingidos? Causa, claro. Mas o problema foi criado pela determinação da CPI. A manchete do jornal é o espelho. Quebrá-lo não mudaria a realidade que o espelho mostra.
O diabo é que todo governo, inclusive o do PT, gosta de quebrar espelhos em vez de tratar de modificar a realidade que eles mostram.



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