São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Brasília não é Caracas

MARCO ANTONIO VILLA

Se nossa sociedade é de classes e com desigualdades regionais, cabe à oposição construir uma proposta supraclassista

O GOVERNO Lula é enfadonho. No primeiro semestre, ensaiou uma tentativa de construir um governo propositivo. Entretanto, tudo durou pouco: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) já morreu. Hoje anda tão esquecido que não é motivo sequer de piadas.
A ministra responsável pelo PAC foi transformada da noite para o dia em gênio da administração pública, algo rotineiro no Brasil. Querendo simular eficiência, ela chegou até a incluir no programa a ampliação das vagas de estacionamento do aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Porém, não se lembrou da necessidade imperiosa de reformar as pistas de boa parte dos principais aeroportos do país.
O governo Lula foi e é assim. O presidente acredita piamente que o mero anúncio de alguns propósitos transforma magicamente a realidade. O importante é fazer cerimônias públicas para lançar programas. Governar é falar, transformar a rotina administrativa em ato público permanente.
Contudo, desde o "maracanazo" é necessário escolher bem -muito bem- a platéia. Lula viveu durante duas semanas uma síndrome de abstinência de atos públicos. Em quase cinco anos, nunca o presidente ficou tão distante de um microfone. Depois do dia 13/7, só reapareceu em um ato externo no dia 26 do mesmo mês.
Na ausência de realizações, sem ousadia econômica e administrando o país com o dinamismo de um burocrata do socialismo real, o presidente já dá sinais de cansaço -isso quando mal cumpriu 15% do mandato.
O desinteresse pelos problemas nacionais é tão grande que, após a tragédia de Congonhas, no dia seguinte (18/7), a agenda presidencial ficou quase em branco: conversou com dois ministros do Palácio do Planalto e recebeu pela manhã o ministro dos Esportes. À tarde não teve nenhuma atividade. No dia seguinte, repetiu-se o triste quadro de vazio, de ausência de governo. De fora do palácio, recebeu o ministro dos Portos -sim, dos Portos. Na sexta-feira, finalmente, se reuniu às 11h30 com o comandante da Aeronáutica.
Como não tem interesse de acompanhar as tarefas governamentais, preferiu abrir a campanha eleitoral de 2010, terreno que conhece bem. Passou a falar como candidato: ameaça, simula indignação, denuncia.
A sorte do presidente é que a oposição é tão enfadonha quanto o seu governo. Só dá sinal de vida quando o governo se enrola nas próprias pernas. Foi assim no primeiro mandato e está sendo igual nestes primeiros meses do segundo governo.
A oposição parlamentar sempre está à espera de uma denúncia da imprensa ou da própria base política do governo. Por si só não criou até hoje nenhum fato político. Sem rumo, agora ameaça cair na armadilha criada pelo próprio governo: a de que o Brasil é a Venezuela. Aceitar o corte social proposto por Lula (governo dos pobres x oposição dos ricos) é derrota certa não só nas pesquisas como também o será nas urnas, em 2010.
Lula não é Chávez, e a situação política brasileira não tem nenhuma similitude com a venezuelana. Lá, o presidente chegou ao governo após grave crise político-partidária e com o Estado em frangalhos.
No Brasil, o quadro é distinto. Aqui, Lula desvia a atenção oposicionista sistematicamente. Quando ataca os adversários e diz que vai dar uma surra em 2010 ou retoma a proposta de constituinte, tudo não passa de cortina de fumaça. A oposição, após cinco anos, ainda não conseguiu separar o evento histórico do fato histórico.
Se vivemos numa sociedade de classes e com desigualdades regionais, cabe à oposição construir uma proposta supraclassista e enfrentar os problemas do desenvolvimento desigual. Ou seja, não deve aprofundar o fosso construído pelo governo, mas edificar uma ponte com os setores mais pobres da população, ter um programa para o Nordeste, realizar um trabalho de convencimento político, exibir propostas, enfim, participar e ganhar o debate ideológico.
A oposição não aprendeu a falar com a maioria dos eleitores: só é entendida pela classe média, e isso não basta. Vive o complexo de UDN. O caos aéreo é um bom exemplo. O sofrimento dos passageiros nos aeroportos não sensibiliza essa faixa do eleitorado. A vida de milhões de eleitores pobres foi marcada pelo descaso público: no INSS, nos hospitais, nas rodoviárias, nas matrículas nas escolas etc.
Torna-se necessário falar a língua que o povo entende, para depois conseguir ganhar seu voto. Como disse uma eleitora de Canudos, em 2006: "Não posso votar naquele homem que é contra o Lula. Não o conheço nem entendo o que ele fala".


MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

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