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TENDÊNCIAS/DEBATES
Brasília não é Caracas
MARCO ANTONIO VILLA
Se nossa sociedade é de classes e com desigualdades regionais, cabe à oposição construir uma proposta supraclassista
O GOVERNO Lula é enfadonho.
No primeiro semestre, ensaiou uma tentativa de construir um governo propositivo. Entretanto, tudo durou pouco: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) já morreu. Hoje anda tão esquecido que não é motivo sequer de piadas.
A ministra responsável pelo PAC
foi transformada da noite para o dia
em gênio da administração pública,
algo rotineiro no Brasil. Querendo simular eficiência, ela chegou até a incluir no programa a ampliação das vagas de estacionamento do aeroporto
de Confins, em Minas Gerais. Porém,
não se lembrou da necessidade imperiosa de reformar as pistas de boa parte dos principais aeroportos do país.
O governo Lula foi e é assim. O presidente acredita piamente que o mero
anúncio de alguns propósitos transforma magicamente a realidade. O
importante é fazer cerimônias públicas para lançar programas. Governar
é falar, transformar a rotina administrativa em ato público permanente.
Contudo, desde o "maracanazo" é
necessário escolher bem -muito
bem- a platéia. Lula viveu durante
duas semanas uma síndrome de abstinência de atos públicos. Em quase
cinco anos, nunca o presidente ficou
tão distante de um microfone. Depois
do dia 13/7, só reapareceu em um ato
externo no dia 26 do mesmo mês.
Na ausência de realizações, sem ousadia econômica e administrando o
país com o dinamismo de um burocrata do socialismo real, o presidente
já dá sinais de cansaço -isso quando
mal cumpriu 15% do mandato.
O desinteresse pelos problemas nacionais é tão grande que, após a tragédia de Congonhas, no dia seguinte
(18/7), a agenda presidencial ficou
quase em branco: conversou com dois
ministros do Palácio do Planalto e recebeu pela manhã o ministro dos Esportes. À tarde não teve nenhuma atividade. No dia seguinte, repetiu-se o
triste quadro de vazio, de ausência de
governo. De fora do palácio, recebeu o
ministro dos Portos -sim, dos Portos. Na sexta-feira, finalmente, se
reuniu às 11h30 com o comandante
da Aeronáutica.
Como não tem interesse de acompanhar as tarefas governamentais,
preferiu abrir a campanha eleitoral de
2010, terreno que conhece bem. Passou a falar como candidato: ameaça,
simula indignação, denuncia.
A sorte do presidente é que a oposição é tão enfadonha quanto o seu governo. Só dá sinal de vida quando o
governo se enrola nas próprias pernas. Foi assim no primeiro mandato e
está sendo igual nestes primeiros meses do segundo governo.
A oposição parlamentar sempre está à espera de uma denúncia da imprensa ou da própria base política do
governo. Por si só não criou até hoje
nenhum fato político. Sem rumo, agora ameaça cair na armadilha criada
pelo próprio governo: a de que o Brasil é a Venezuela. Aceitar o corte social proposto por Lula (governo dos
pobres x oposição dos ricos) é derrota
certa não só nas pesquisas como também o será nas urnas, em 2010.
Lula não é Chávez, e a situação política brasileira não tem nenhuma similitude com a venezuelana. Lá, o
presidente chegou ao governo após
grave crise político-partidária e com o
Estado em frangalhos.
No Brasil, o quadro é distinto. Aqui,
Lula desvia a atenção oposicionista
sistematicamente. Quando ataca os
adversários e diz que vai dar uma surra em 2010 ou retoma a proposta de
constituinte, tudo não passa de cortina de fumaça. A oposição, após cinco
anos, ainda não conseguiu separar o
evento histórico do fato histórico.
Se vivemos numa sociedade de
classes e com desigualdades regionais, cabe à oposição construir uma
proposta supraclassista e enfrentar
os problemas do desenvolvimento
desigual. Ou seja, não deve aprofundar o fosso construído pelo governo,
mas edificar uma ponte com os setores mais pobres da população, ter um
programa para o Nordeste, realizar
um trabalho de convencimento político, exibir propostas, enfim, participar e ganhar o debate ideológico.
A oposição não aprendeu a falar
com a maioria dos eleitores: só é entendida pela classe média, e isso não
basta. Vive o complexo de UDN. O
caos aéreo é um bom exemplo. O sofrimento dos passageiros nos aeroportos não sensibiliza essa faixa do
eleitorado. A vida de milhões de eleitores pobres foi marcada pelo descaso
público: no INSS, nos hospitais, nas
rodoviárias, nas matrículas nas escolas etc.
Torna-se necessário falar a língua
que o povo entende, para depois conseguir ganhar seu voto. Como disse
uma eleitora de Canudos, em 2006:
"Não posso votar naquele homem
que é contra o Lula. Não o conheço
nem entendo o que ele fala".
MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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