São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2007

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Previdência: fatos x palavras

FABIO GIAMBIAGI

É preciso definir prioridades em um contexto de restrição orçamentária. O Brasil gasta muito em aposentadorias e pouco em investimento

LEMBREI-ME desta frase atribuída a Einstein, "é mais fácil desintegrar um átomo que o preconceito de uma pessoa", lendo o artigo de Fagnani e Cardoso Jr. publicado nesta Folha ("Tendências/Debates", 2/8). Nele, sou acusado de ser "porta-voz dos setores conservadores", afirmar que o "déficit [da Previdência] é explosivo", "justificar a urgente necessidade de reformas", renegar "os fundamentos do Estado democrático de Direito" e "alardear o terror".
É tentador citar o delegado britânico na ONU, nos anos 50, ao ouvir o discurso de outro diplomata: "Sempre me impressiona a capacidade dos latino-americanos de transformar poucos gramas de fatos em toneladas de palavras". Os autores se deixaram levar pelo entusiasmo da própria retórica. Porém, deixemos de lado as palavras e vamos aos fatos.
Fato um: Em 1988, a despesa do INSS era de 2,5% do PIB; deverá ser de 7,2% do PIB em 2007.
Fato dois: O número de brasileiros com 60 anos ou mais crescerá 4% ao ano de 2010 a 2025, segundo o IBGE.
Fato três: O piso previdenciário, recebido por 2 de cada 3 aposentados e pensionistas, teve um aumento real de mais de 100% desde 1994.
Fato quatro: No Chile e no Peru, um homem precisa ter 65 anos para se aposentar; no Brasil, os homens se aposentam por tempo de contribuição aos 57 anos, e as mulheres, aos 52.
Fato cinco: O que tenho defendido é que se aprove em 2009, para ter vigência cinco anos depois, o critério da idade mínima de 60 anos para os homens e de 55 anos para as mulheres, incorporando ao regime geral em 2014 o princípio que vale para os servidores públicos desde 2003, com um requisito de idade mais generoso do que aquele que vale há anos para diversos países.
O "conservador que alardeia o terror" é como o monstro do lago Ness: muita gente fala dele, mas é algo que nunca ninguém viu, pois é só uma criatura mitológica, criada pela imaginação de quem acredita em lendas.
Não sei quais são as credenciais de Fagnani e Cardoso Jr. para pontificar sobre democracia. Posso falar das minhas: nasci no Brasil, mas me criei na Argentina e, aos 12 anos, passei a ver os amigos de meus pais integrarem as listas de desaparecidos; aos 13, meus pais foram cassados; e, aos 14, o irmão do meu pai foi seqüestrado.
Democracia para mim é tão vital quanto o oxigênio. Não renego a existência do Estado de Direito. Defendo, sim, mudar a Constituição dentro das regras nela previstas, sob o escrutínio do Congresso. Está proibido?
As regras do bom debate exigem que não se coloque na boca dos outros o que os outros não falaram. Em trabalho publicado em 2004 como "Texto para Discussão, 1.050", do Ipea, em co-autoria com outros colegas, elaboramos seis cenários.
Embora houvesse cenários pessimistas, em um dos casos, com crescimento forte e sem reforma, a despesa somada de INSS e Loas cairia de 7,8% do PIB em 2004 para 7,4% em 2030.
Portanto, afirmar que eu sustento a "necessidade de uma reforma urgente da Previdência" porque "o déficit é explosivo" é uma incursão no reino da fantasia a que aqueles dois autores se obrigam para sustentar suas teses sobre o monstro do lago Ness e teorias equivalentes.
Jamais disse que precisamos de uma reforma urgente. O que disse é que, se não fizermos uma mudança das regras, daqui a dez ou 20 anos, em alguns dos possíveis cenários, poderemos ter problemas.
É preciso definir as prioridades em um contexto de restrição orçamentária, independentemente de ter ou não déficit e de ele ser ou não explosivo.
O Brasil gasta muito em aposentadorias e pouco em investimento. A tragédia do setor aéreo, assim como a crise de energia de 2001, são exemplos do que pode acontecer quando não há planejamento a longo prazo.
Nunca me dediquei a "alardear o terror". Julgar que defender mudanças na Constituição implica renegar a democracia diz muito sobre quão pouco alguns participantes do debate entendem sobre o respeito à diversidade e a prática da boa convivência.
Não sou porta-voz dos setores conservadores. Sou porta-voz das minhas convicções e do que aprendi em 15 anos de estudos e dedicação ao tema. Bresser, Nakano, Belluzzo, Pochmann e outros são exemplos de economistas com quem tenho divergências, mas por quem, havendo respeito, nunca fui acusado de ser porta-voz de nada. Confesso meu espanto ao receber a acusação bisonha de "alardear o terror" e "renegar" o Estado de Direito vinda de um colega do Ipea.
Quem prega a democracia tem que se acostumar a praticá-la em casa.


FABIO GIAMBIAGI, 45, mestre em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do BNDES (atualmente cedido ao Ipea) e autor do livro "Reforma da Previdência".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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