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Previdência: fatos x palavras
FABIO GIAMBIAGI
É preciso definir prioridades em um contexto de restrição orçamentária. O Brasil gasta muito em aposentadorias e pouco em investimento
LEMBREI-ME desta frase atribuída a Einstein, "é mais fácil desintegrar um átomo que o preconceito de uma pessoa", lendo o artigo
de Fagnani e Cardoso Jr. publicado
nesta Folha ("Tendências/Debates",
2/8). Nele, sou acusado de ser "porta-voz dos setores conservadores", afirmar que o "déficit [da Previdência] é
explosivo", "justificar a urgente necessidade de reformas", renegar "os
fundamentos do Estado democrático
de Direito" e "alardear o terror".
É tentador citar o delegado britânico na ONU, nos anos 50, ao ouvir o
discurso de outro diplomata: "Sempre me impressiona a capacidade dos
latino-americanos de transformar
poucos gramas de fatos em toneladas
de palavras". Os autores se deixaram
levar pelo entusiasmo da própria retórica. Porém, deixemos de lado as
palavras e vamos aos fatos.
Fato um: Em 1988, a despesa do
INSS era de 2,5% do PIB; deverá ser
de 7,2% do PIB em 2007.
Fato dois: O número de brasileiros
com 60 anos ou mais crescerá 4% ao
ano de 2010 a 2025, segundo o IBGE.
Fato três: O piso previdenciário, recebido por 2 de cada 3 aposentados e
pensionistas, teve um aumento real
de mais de 100% desde 1994.
Fato quatro: No Chile e no Peru,
um homem precisa ter 65 anos para
se aposentar; no Brasil, os homens se
aposentam por tempo de contribuição aos 57 anos, e as mulheres, aos 52.
Fato cinco: O que tenho defendido
é que se aprove em 2009, para ter vigência cinco anos depois, o critério da
idade mínima de 60 anos para os homens e de 55 anos para as mulheres,
incorporando ao regime geral em
2014 o princípio que vale para os servidores públicos desde 2003, com um
requisito de idade mais generoso do
que aquele que vale há anos para diversos países.
O "conservador que alardeia o terror" é como o monstro do lago Ness:
muita gente fala dele, mas é algo que
nunca ninguém viu, pois é só uma
criatura mitológica, criada pela imaginação de quem acredita em lendas.
Não sei quais são as credenciais de
Fagnani e Cardoso Jr. para pontificar
sobre democracia. Posso falar das minhas: nasci no Brasil, mas me criei na
Argentina e, aos 12 anos, passei a ver
os amigos de meus pais integrarem as
listas de desaparecidos; aos 13, meus
pais foram cassados; e, aos 14, o irmão
do meu pai foi seqüestrado.
Democracia para mim é tão vital
quanto o oxigênio. Não renego a existência do Estado de Direito. Defendo,
sim, mudar a Constituição dentro das
regras nela previstas, sob o escrutínio
do Congresso. Está proibido?
As regras do bom debate exigem
que não se coloque na boca dos outros o que os outros não falaram.
Em trabalho publicado em 2004
como "Texto para Discussão, 1.050",
do Ipea, em co-autoria com outros
colegas, elaboramos seis cenários.
Embora houvesse cenários pessimistas, em um dos casos, com crescimento forte e sem reforma, a despesa somada de INSS e Loas cairia de 7,8%
do PIB em 2004 para 7,4% em 2030.
Portanto, afirmar que eu sustento a
"necessidade de uma reforma urgente da Previdência" porque "o déficit é
explosivo" é uma incursão no reino
da fantasia a que aqueles dois autores
se obrigam para sustentar suas teses
sobre o monstro do lago Ness e teorias equivalentes.
Jamais disse que precisamos de
uma reforma urgente. O que disse é
que, se não fizermos uma mudança
das regras, daqui a dez ou 20 anos, em
alguns dos possíveis cenários, poderemos ter problemas.
É preciso definir as prioridades em
um contexto de restrição orçamentária, independentemente de ter ou não
déficit e de ele ser ou não explosivo.
O Brasil gasta muito em aposentadorias e pouco em investimento. A
tragédia do setor aéreo, assim como a
crise de energia de 2001, são exemplos do que pode acontecer quando
não há planejamento a longo prazo.
Nunca me dediquei a "alardear o
terror". Julgar que defender mudanças na Constituição implica renegar a
democracia diz muito sobre quão
pouco alguns participantes do debate
entendem sobre o respeito à diversidade e a prática da boa convivência.
Não sou porta-voz dos setores conservadores. Sou porta-voz das minhas convicções e do que aprendi em
15 anos de estudos e dedicação ao tema. Bresser, Nakano, Belluzzo, Pochmann e outros são exemplos de economistas com quem tenho divergências, mas por quem, havendo respeito, nunca fui acusado de ser porta-voz
de nada. Confesso meu espanto ao receber a acusação bisonha de "alardear o terror" e "renegar" o Estado de
Direito vinda de um colega do Ipea.
Quem prega a democracia tem que se
acostumar a praticá-la em casa.
FABIO GIAMBIAGI, 45, mestre em economia pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), é economista do
BNDES (atualmente cedido ao Ipea) e autor do livro "Reforma da Previdência".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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