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São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Jovens, consumo de álcool e propaganda

ILANA PINSKY

O aumento do consumo de bebidas alcoólicas em uma população é influenciado por uma série de fatores, mas dois deles são especialmente importantes.
Os chamados fatores de acesso ao produto incluem, entre outros, o preço, a densidade de locais de venda e o número de horas de funcionamento dos pontos-de-venda de bebidas alcoólicas. É tanto intuitivo quanto comprovado por sólidas evidências que, quanto mais barato o preço das bebidas alcoólicas e quanto mais fácil comprá-las, mais as pessoas bebem. No Brasil, onde o preço de um litro de pinga é comparável com o do litro de leite e é raríssimo um menor de idade ter dificuldades de adquirir qualquer bebida alcoólica, o consumo do produto tem apresentado tendência de crescimento.
Vale apontar que o aumento de problemas relacionados ao álcool em uma população é proporcional ao aumento do consumo de álcool desta. Também, diferentemente da crença difundida, a maior parte do potencial devastador do consumo de álcool, protagonista de acidentes de trânsito, crimes, agressão doméstica etc., ocorre com indivíduos não-dependentes.
O segundo grupo de fatores diz respeito ao aspecto da informação. Desse grupo fazem parte a propaganda e campanhas na mídia, entre outros. Há muito sabe-se do papel desses fatores no clima social que é criado em torno das bebidas alcoólicas, mas, recentemente, pesquisas apontam para a influência direta das propagandas também no início e aumento do consumo do álcool.
Uma pesquisa relacionou o fato de apreciar propagandas de cerveja aos 18 anos com um maior índice de consumo de bebidas e de comportamento agressivo aos 21 anos. Outro estudo, com crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos, revelou que assistir a propagandas com frequência provoca a expectativa de consumir bebidas no futuro. Muitos dos meninos entrevistados disseram que as propagandas de álcool os encorajavam a beber. Não é à toa: no Brasil os comerciais estão sempre associados a momentos gloriosos, conquistas esportivas, à sexualidade e ao orgulho de ser brasileiro. E o gasto anual de milhões de dólares permite que as propagandas sejam extremamente criativas e atraentes.
Apesar dos dados acima, o governo federal desperdiçou recentemente excelente oportunidade de promover um debate nacional sobre o consumo de bebidas alcoólicas, um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil. Além de estender para 2005 a permissão às propagandas de cigarro em eventos esportivos, a medida provisória 118, aprovada pela Câmara, descartou a inclusão das cervejas na restrição de horário.


A discussão sobre as estratégias de propaganda e marketing da indústria do álcool não é prioridade brasileira


De acordo com a lei 9.294, de 1996, que regulamenta a propaganda de bebidas alcoólicas no país, apenas produtos com teor alcoólico acima de 13 GL integram a categoria. Isso exclui cervejas e vinhos, por incrível que pareça.
Mesmo para as bebidas que se enquadram na lei, no entanto, a publicidade em rádio e TV é livre na faixa entre 21h e 6h. E vinhetas rápidas de patrocínio são permitidas em qualquer horário. A partir de 2000, quando a lei 10.167 foi sancionada para praticamente extinguir a propaganda de cigarro restrita, desde então, aos locais de venda, parecia natural que o jogo ficasse mais duro também para as bebidas alcoólicas.
A discussão sobre as estratégias de propaganda e marketing da indústria do álcool não é prioridade brasileira. A preocupação com o impacto global destas no consumo dos jovens deu origem a um encontro internacional organizado pela OMS, com especialistas de mais de 30 países, na Espanha em maio de 2002. Um trabalho brasileiro apresentado nesse evento confirmou a tendência mundial, especialmente em países em desenvolvimento, da indústria de álcool dirigir seus produtos aos jovens. No mesmo encontro foram apresentadas evidências científicas da influência da propaganda de álcool sobre os jovens.
Nesse sentido, é animadora a criação do grupo interministerial responsável por estabelecer novas regras para a propaganda, comercialização e taxação das bebidas alcoólicas. Além das razões de saúde pública, o custo do uso nocivo de bebidas alcoólicas é extremamente alto.
Não temos no Brasil estudo amplo sobre o assunto, mas pode-se recorrer, como referência, às estatísticas de outros países. Nos EUA, o custo anual dos acidentes de trânsito relacionados ao álcool ultrapassou US$ 100 bilhões em 2000. Em 1996, um estudo sobre o uso de álcool entre os jovens estimou custos de US$ 50 bilhões, incluindo acidentes de carro, crimes, afogamentos, intoxicação alcoólica etc. Embora os números norte-americanos sejam provavelmente maiores que os nossos, muitos dos problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas naquele país têm diminuído por conta das inúmeras leis, intensa fiscalização e existência de programas de prevenção abrangentes.
Apesar dos tropeços do governo, parte da indústria do álcool parece sentir a pressão da sociedade aumentando e cogita o desenvolvimento de ações preventivas, principalmente no que diz respeito ao dirigir alcoolizado. Porém muito mais tem de ser feito. Entre as atribuições do governo, por exemplo, estão a fiscalização rápida e certeira das medidas restritivas a serem tomadas. Esse é um assunto importante e caro o suficiente para ser tratado a sério.


Ilana Pinsky, 36, psicóloga, é coordenadora do Ambulatório de Adolescentes da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp).


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