São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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O NACIONALISMO DE LULA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o dia da Independência para dar curso a sua campanha nacionalista que, a pretexto de elevar a auto-estima dos brasileiros, reanima um surrado repertório patrioteiro com o qual o país já teve oportunidade de conviver em tempos de funesta memória. Certamente que há nacionalismos e nacionalismos, mas aquele que é urdido como ideologia de Estado e transformado em instrumento propagandístico a serviço de projetos de poder deve ser visto com a máxima cautela.
O século 20 é pródigo em exemplos de mobilizações nacionais de cunho autoritário que patrocinaram alguns dos episódios mais sombrios da história da humanidade. Mesmo em países do Terceiro Mundo, onde o nacionalismo foi com freqüência convocado a combater o atraso e os interesses externos a ele associados, não é difícil identificar o papel mistificador e retrógrado que o ideário patriótico muitas vezes desempenhou.
O Brasil não faz parte das nações cuja formação foi temperada em embates de ampla participação popular. Não há dúvida de que existe um inequívoco sentido de nação e uma firme comunhão de valores identificáveis como nacionais. As circunstâncias históricas, porém, aqui favoreceram o impulso do Estado de moldar a nação, dirigindo-a e decorando-a com símbolos patrióticos.
De certa forma, o senso nacionalista de Lula parece caudatário do projeto de Getúlio Vargas, sob cuja direção o Estado reciclou, organizou e difundiu um sistema de referências nacionais. São conhecidas as mazelas do getulismo, mas seria um equívoco negar-lhe virtudes. A obra do caudilho deixou profundas marcas e foi apenas depois de consumada a crise do Estado empreendedor, quando o governo Fernando Henrique Cardoso assumiu a agenda liberalizante da economia globalizada, que se formulou um discurso oficial claro de ruptura com a era Vargas.
Agora, o governo Lula inclina-se a novamente acenar a bandeira nacionalista numa tentativa de diferenciar-se ideologicamente de seu antecessor. Há em cena uma avaliação de que o antivarguismo do período FHC acabou por se revelar negligente em relação à defesa de objetivos e interesses nacionais. Ainda que isso possa ter ocorrido e que seja desejável que os brasileiros estimem seu país, não será com a agitação de um patriotismo sentimentalista e ornamental que o Brasil encontrará melhores condições para crescer, educar-se, distribuir renda e eliminar a miséria- conquistas que verdadeiramente contribuiriam para fazer do Brasil uma nação mais justa e altiva.


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