São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Bruxaria econômica

Nas sessões de "alta bruxaria", alguns economistas manipulam o que se chama "função de produção" para responder à seguinte pergunta: "Qual o maior volume de produção física que se pode obter com a combinação do nível tecnológico atual, da disponibilidade da mão-de-obra e do estoque de capital já existente, mas cuja avaliação esconde um paradoxo?". Esse número informaria, quando comparado com o mesmo cálculo feito para um exercício anterior, a taxa máxima de crescimento do produto que se poderia obter sem criar pressões inflacionárias. Para tornar a coisa manipulável, escolhem-se funções matemáticas "amigas". É claro que, esquecendo alguns problemas metodológicos, pode-se dar sentido a uma "função de produção" para uma particular indústria de calçados do vale do rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Mas isso tem pouca importância para a macroeconomia. Ela precisa conhecer a "função de produção da indústria de calçados", isto é, o resultante da agregação de "funções de produção" de uma indústria de calçados de homem de Franca com outra de calçados femininos de Jaú e de Piracicaba, com outra de calçados infantis de Birigüi, em São Paulo, e com outra de calçados mais simples de Sobral, no Ceará...
Como acreditar que a "agregação" dessa mixórdia de níveis tecnológicos diferentes, mão-de-obra de qualidade diferente e estoques de capital não-mensuráveis faz sentido como uma "função de produção" de "indústria de calçados"? Mas isso ainda não basta para os bruxos. Eles precisam da "função de produção do Brasil", isto é, da agregação de todas as funções de produção de todos os setores da economia! Torturando convenientemente os dados, estes acabam confessando que "são a tal função de produção procurada" e que o número é 3,5% ao ano... Essa é uma forma ligeiramente caricata para explicar porque eles crêem que 3,5% seja o crescimento do nosso produto potencial. Há outros métodos (também metodologicamente praguejados) que o espaço não permite analisar, mas o ponto crucial é que eles não produzem o mesmo resultado, o que apenas aumenta a nossa incerteza...
O assunto é importante porque as estimativas do PIB mostram que ele cresceu 4,2% no primeiro semestre deste ano, o que fez a alegria nacional, mas pôs em polvorosa os "falcões-cientistas" do mercado financeiro empoleirados no Copom. Eles vêem nisso a principal razão para a "taxa de inflação" estar chegando ao "teto da banda", o que é mais do que duvidoso.
O que pretendem é corrigir o "desvio" desse PIB mal comportado, que cresceu 4,2% quando deveria crescer apenas 3,5%. Ameaçam fazê-lo aumentando a taxa Selic, uma política suicida que provavelmente comprometerá o "estado de espírito" favorável aos investimentos e prejudicará o aumento da capacidade produtiva. É obviamente impossível saber como reagirá o PIB. Levando em conta as variações estacionais. Uma estimativa razoável é que, se as condições de pressão e temperatura permanecerem as atuais, ele crescerá em torno do 4,8% em 2004, com um crescimento de 5,4% sobre o segundo semestre de 2003. Para reduzir o crescimento do PIB a 3,5% em 2004, o BC terá de aumentar os juros para cortar consumo e investimento a um nível que produza um crescimento de apenas 2,8% sobre o segundo semestre de 2003. Vamos "jogar fora" 1,3% do PIB anual de 2004 por conta de uma "bruxaria" que pretende obter 4,5% de inflação em 2005?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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