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ANTONIO DELFIM NETTO
Bruxaria econômica
Nas sessões de "alta bruxaria",
alguns economistas manipulam
o que se chama "função de produção"
para responder à seguinte pergunta:
"Qual o maior volume de produção física que se pode obter com a combinação do nível tecnológico atual, da
disponibilidade da mão-de-obra e do
estoque de capital já existente, mas cuja avaliação esconde um paradoxo?".
Esse número informaria, quando
comparado com o mesmo cálculo feito para um exercício anterior, a taxa
máxima de crescimento do produto
que se poderia obter sem criar pressões inflacionárias. Para tornar a coisa
manipulável, escolhem-se funções
matemáticas "amigas". É claro que,
esquecendo alguns problemas metodológicos, pode-se dar sentido a uma
"função de produção" para uma particular indústria de calçados do vale do
rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.
Mas isso tem pouca importância para
a macroeconomia. Ela precisa conhecer a "função de produção da indústria de calçados", isto é, o resultante da
agregação de "funções de produção"
de uma indústria de calçados de homem de Franca com outra de calçados
femininos de Jaú e de Piracicaba, com
outra de calçados infantis de Birigüi,
em São Paulo, e com outra de calçados
mais simples de Sobral, no Ceará...
Como acreditar que a "agregação"
dessa mixórdia de níveis tecnológicos
diferentes, mão-de-obra de qualidade
diferente e estoques de capital não-mensuráveis faz sentido como uma
"função de produção" de "indústria
de calçados"? Mas isso ainda não basta para os bruxos. Eles precisam da
"função de produção do Brasil", isto é,
da agregação de todas as funções de
produção de todos os setores da economia! Torturando convenientemente os dados, estes acabam confessando
que "são a tal função de produção
procurada" e que o número é 3,5% ao
ano... Essa é uma forma ligeiramente
caricata para explicar porque eles
crêem que 3,5% seja o crescimento do
nosso produto potencial. Há outros
métodos (também metodologicamente praguejados) que o espaço não
permite analisar, mas o ponto crucial
é que eles não produzem o mesmo resultado, o que apenas aumenta a nossa incerteza...
O assunto é importante porque as
estimativas do PIB mostram que ele
cresceu 4,2% no primeiro semestre
deste ano, o que fez a alegria nacional,
mas pôs em polvorosa os "falcões-cientistas" do mercado financeiro empoleirados no Copom. Eles vêem nisso a principal razão para a "taxa de inflação" estar chegando ao "teto da
banda", o que é mais do que duvidoso.
O que pretendem é corrigir o "desvio" desse PIB mal comportado, que
cresceu 4,2% quando deveria crescer
apenas 3,5%. Ameaçam fazê-lo aumentando a taxa Selic, uma política
suicida que provavelmente comprometerá o "estado de espírito" favorável aos investimentos e prejudicará o
aumento da capacidade produtiva. É
obviamente impossível saber como
reagirá o PIB. Levando em conta as
variações estacionais. Uma estimativa
razoável é que, se as condições de
pressão e temperatura permanecerem
as atuais, ele crescerá em torno do
4,8% em 2004, com um crescimento
de 5,4% sobre o segundo semestre de
2003. Para reduzir o crescimento do
PIB a 3,5% em 2004, o BC terá de aumentar os juros para cortar consumo
e investimento a um nível que produza um crescimento de apenas 2,8% sobre o segundo semestre de 2003. Vamos "jogar fora" 1,3% do PIB anual de
2004 por conta de uma "bruxaria" que
pretende obter 4,5% de inflação em
2005?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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