São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

A guerra civil

RIO DE JANEIRO - Na semana passada, vi flashes na TV de gente se arrastando nas calçadas em Ipanema e em Copacabana tentando evitar o tiroteio de quadrilhas rivais dos morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Donas-de-casa, senhoras de idade e crianças, surpreendidas no caminho de casa, do trabalho ou da escola, jogam-se no chão e rastejam, aderentes às paredes, numa operação comum a qualquer guerra civil, como a do Líbano, décadas atrás, a que assisti por dever de ofício.
No Líbano e em outras regiões tumultuadas, a guerra foi cruel, mas delimitada pela política de facções que eventualmente aceitam tréguas e condições de luta. No Rio, a briga liberou geral, não existe uma terra de ninguém onde, em determinados horários, a população pode ir de um local para outro.
Por acaso, os dois morros estão encravados em zona de grande concentração populacional, não há morador da zona sul da cidade que não passe pelo menos duas vezes por semana na área conflagrada. Mais adiante, em Ipanema, Gávea e Rocinha, há a Rocinha e o Vidigal, favelas ocupadas oficialmente pelo tráfico. Pergunta: por que justamente em zonas nobres da cidade a guerra civil é mais violenta e diária?
A resposta é simples: é nessas áreas que se concentra o grande mercado consumidor das drogas. Voltamos assim ao problema da violência organizada: quem a sustenta e mantém? Os traficantes, que são apenas intermediários de um produto ainda proibido? Ou os consumidores, que pagam e muitas vezes roubam e matam para pagar?
Enquanto houver proibição de drogas e consumidores dispostos a pagar o que podem e não podem, os tiroteios continuarão, com suas vítimas e balas perdidas. Liberar a droga envolve uma discussão moral e social, o Estado não tem cacife para bancar a medida. E os consumidores tampouco têm vontade de abandonar o próprio vício e estão se lixando para a guerra civil que mutila a cidade.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O "Chávez brasileiro"
Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Bruxaria econômica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.