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CARLOS HEITOR CONY
A guerra civil
RIO DE JANEIRO - Na semana passada, vi flashes na TV de gente se arrastando nas calçadas em Ipanema e em
Copacabana tentando evitar o tiroteio de quadrilhas rivais dos morros
do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho.
Donas-de-casa, senhoras de idade e
crianças, surpreendidas no caminho
de casa, do trabalho ou da escola, jogam-se no chão e rastejam, aderentes
às paredes, numa operação comum a
qualquer guerra civil, como a do Líbano, décadas atrás, a que assisti por
dever de ofício.
No Líbano e em outras regiões tumultuadas, a guerra foi cruel, mas
delimitada pela política de facções
que eventualmente aceitam tréguas e
condições de luta. No Rio, a briga liberou geral, não existe uma terra de
ninguém onde, em determinados horários, a população pode ir de um local para outro.
Por acaso, os dois morros estão encravados em zona de grande concentração populacional, não há morador da zona sul da cidade que não
passe pelo menos duas vezes por semana na área conflagrada. Mais
adiante, em Ipanema, Gávea e Rocinha, há a Rocinha e o Vidigal, favelas
ocupadas oficialmente pelo tráfico.
Pergunta: por que justamente em zonas nobres da cidade a guerra civil é
mais violenta e diária?
A resposta é simples: é nessas áreas
que se concentra o grande mercado
consumidor das drogas. Voltamos assim ao problema da violência organizada: quem a sustenta e mantém? Os
traficantes, que são apenas intermediários de um produto ainda proibido? Ou os consumidores, que pagam
e muitas vezes roubam e matam para
pagar?
Enquanto houver proibição de drogas e consumidores dispostos a pagar
o que podem e não podem, os tiroteios continuarão, com suas vítimas e
balas perdidas. Liberar a droga envolve uma discussão moral e social, o
Estado não tem cacife para bancar a
medida. E os consumidores tampouco têm vontade de abandonar o próprio vício e estão se lixando para a
guerra civil que mutila a cidade.
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